Eu não gosto de survival horror’s. É um jeito estranho de começar um artigo opinativo, eu sei, mas é verdade. Durante minha infância e adolescência, eu nunca tive restrições por parte de meus pais para com relação a algum jogo eletrônico. Sempre pude desfrutar dos jogos mais violentos e polêmicos, como: GTA, Gears of War, Doom, e os clássicos do horror, como: Silent Hill 2, Resident Evil 3 e 4, entre outros.
Como eu era o cara da rua que “a mãe deixava jogar tudo”, meus amigos traziam e inclusive compravam vários jogos na época do Playstation 2 e Xbox 360, somente para jogar na minha casa. Entre estes, sempre haviam aqueles que gostavam de Resident Evil, Parasite Eve, Dino Crisis, Fear, etc. Como as mídias sempre ficavam na minha casa, e como “moeda de troca”, eu sempre podia jogar esses jogos sem ter de desembolsar minha graninha, que geralmente estava guardada para o novo Call of Duty do ano e algum RPG japonês que tirar–me–ia alguns anos de vida.
Um exemplo do meu ranço com jogos desse gênero foi Resident Evil: Code Veronica. Um clássico, mas que eu só consegui zerar pela força do ódio. A história era tão boa, a dinâmica da narrativa e os eventos eram tão bem direcionados, mas a jogabilidade e gestão de recursos eram tão patéticas, que minha experiência acabara por ser prejudicada devido a fatores simples que explicarei daqui a pouco.
Além disso, como eu não tinha paciência para ficar gerindo recursos e andando de lá para cá, eu simplesmente ficava vendo meus amigos jogarem e dava altas gargalhadas quando eles tomavam “sustos” que na minha cabeça eram simples. “Sustos” ridículos como “Fud@#, acabou a bala!”, “Não dá mais pra correr”, “Acabaram meus saves!”. Para mim, com o passar do tempo, estes sempre foram indicativos de uma experiência a ser evitada, mas ainda conseguia gostar das franquias clássicas justamente por suas atualizações no que dizia respeito a mecânicas defasadas.
Jogos como Resident Evil 4 e 5 e Silent Hill: Downpour, e até mesmo os novos nomes célebres do gênero, como: The Evil Within, Dead Space e Alan Wake, sempre foram mais do meu feitio.
Acho que com esse último parágrafo, o leitor teve um esclarecimento sobre a frase com a qual iniciei este artigo. Eu nunca tive problema com o terror e o horror propriamente ditos, mas com a jogabilidade. Tenho exemplos ótimos de jogos péssimos da atualidade, como Resident Evil 7 e 8, e Alien: Isolation, mas dedicarei artigos especiais a eles futuramente.
Esta fórmula tosca de oferecer vários elementos que não dão em nada ao jogador e que têm o simples propósito de causar frustrações podem ser confundidos por muitos como um bom exemplo de jogo de terror. Eu vejo com um mau exemplo, e dos piores. Essa última leva de jogos de terror somente provara que o estigma sobre como o medo deve funcionar nos jogos é deturpado e traduzido de maneira péssima, mas em meio a este mar de atrocidades, surgido do nada em 2013 como um jogo independente desenvolvido pela Red Barrels, Outlast deu uma voadora em empresas como Capcom, que até hoje tenta travestir essa fórmula com suas próprias “nuances”.
Mas o que Outlast tem que o torna uma obra–prima e um verdadeiro jogo de terror? É o que eu vou te explicar agora.
Se eu quisesse gerir recursos jogava Age of Empires:
Eu não sei quem surgiu com essa ideia de fornecer ao jogador um espaço extremamente limitado e fazê–lo andar de lá para cá procurando e reencontrando itens necessários para uma missão. Congratulo aquele que surgira com tal ideia na época do Playstation 1, visto que as memórias digitais dos jogos eram extremamente limitadas, e fazia sentido geras enigmas e forçar o jogador a locomover–se mais para que a experiência se tornasse mais duradoura.
Para quem seguiu essa ideia depois de 2005, meus sinceros parabéns por criarem os maiores desperdícios de potenciais de todos os tempos. Nesse tipo de jogo, o protagonista recebe diversos elementos mecânicos, como a habilidade de atacar com corpo a corpo, ou até com uma ou mais armas de fogo ou armas brancas, além de receber itens como remédios para cura, cartões de acesso, etc.
O problema é que dar uma arma que não mata nenhum bicho na bagaça do jogo não é uma forma de causar medo no jogador, mas frustração, e é um passo na direção errada para uma experiência dolorida. Outlast reina por dois motivos principais:
1) O jogo te dá a habilidade de correr, agachar–se e esconder–se, além de uma câmera que pode ser reabastecida com baterias que permitem ao jogador ativar a visão noturna, pois o breu é um companheiro frequente no jogo, mas, diferente dos chefes toscos de Resident Evil, em Outlast, o jogador nunca dependerá de seus recursos para progredir;
2) O jogo não te limita no que oferece–lhe. Meu amigo, se você já ouviu a voz da tinhosa do Outlast 2 pela primeira vez no seu cangote, então sabe a definição de “sebo nas canelas”, e esse é o diferencial de Outlast: o jogo não dá canseira no seu personagem a cada quinze segundos como se ele tivesse câncer de pulmão, coisas que irritaram–me bastante quando joguei Resident Evil 7 e Alien, por exemplo.
Outlast não apela para artifícios de jogabilidade baratos para assustar o jogador: uma barra de estamina alá Dark Souls, um medidor cardíaco como se nosso personagem fosse um hipocondríaco de pressão alta, um radar de bolso que mais parece um Nintendo Switch do quinto dos infernos. Ele não depende de level designs medíocres, como os famosos barris vermelhos e tubulações de tatus que mais parecem um spa luxuoso, nem de inimigos que precisam ser derrotados e que têm vida infinita, pois o objetivo do terror em sua essência não é enfrentar o mau. Quando você recebe a possibilidade de enfrentar o inimigo que é a causa do seu desespero, já não é mais terror, mas ação.
O melhor antagonista é o desespero:
Outra coisa que me incomoda em jogos de terror atualmente é que há uma constante procura por objetificar o mau. Voltemos para Alien: Isolation. O jogo objetifica de maneira tão péssima seu antagonista que ele dá nome ao título, e pode até ter funcionado em termos cinematográficos, mas falhou em termos de jogabilidade. Além disso, temos robôs sintéticos hackeados que tentam sempre te matar, e sua inimizade é justificada de maneira narrativa, o que é uma falha gravíssima.
Gostaria de citar aqui um dos maiores escritores de terror de todos os tempos, Stephen King. Quando perguntado sobre como causar medo no leitor, ele disse:
“Eu reconheço o terror como a melhor emoção, então, eu tento aterrorizar o leitor. Mas se eu achar que não consigo aterrorizá–lo, então tento horrorizá–lo, e se eu não conseguir horrorizá–lo, eu apelo para o nojo. Não sou orgulhoso.”
Outlast é a tradução a priori deste passo a passo e um exemplo maestral de como envolver o jogador com seu próprio medo. A primeira cena do jogo é o nosso personagem dirigindo no meio do nada em um entardecer meio nublado. Ele estaciona na frente de um manicômio após não ser atendido por qualquer segurança local. Não há ninguém por perto. Pegamos uma câmera e temos uma página impressa com um e–mail dizendo–nos que pacientes eram sujeitados a experimentos desumanos. O exterior do manicômio está deserto, mas alguém em uma janela remota parece nos ver rapidamente (este evento pode passar despercebido em uma primeira jogatina). Do lado de fora, vários carros de forças policias especiais estão estacionados. A porta da frente está trancada.
Perceba, o terror é construído gradativamente, e as mecânicas do jogo nos são apresentadas à medida que procuramos uma entrada lateral para o manicômio. A outra qualidade do terror criado é a ausência da fala no nosso personagem, mas sua respiração se mantém. É um contraste tão tênue, mas tão poderoso na criação de uma imersão, que a sensação é de mergulho quando jogamos.
Logo depois, encontramos nosso primeiro morto, e o segundo moribundo, que nos dá informações para sair daquele lugar. Em pouco tempo, mergulhamos numa cadeia de eventos que anunciam a fragilidade do nosso personagem, mas não abalam o senso de sobrevivência ou de heroísmo do mesmo (somente na DLC, mas não falarei sobre ela para evitar spoilers), reforçando ainda mais o terror.
Não há um vilão na história, apesar de várias figuras marcantes. Não há um inimigo, pois isso pouco importa, o jogador só está preocupado em fugir daquele lugar, e tudo no cenário e na história somente estão ali para reforçar a tensão à medida que o jogador tenta sair. É uma história primordial justamente por ser simples. Eu joguei Outlast 2, e ele é mais messiânico neste sentido, ainda assim, muito tênue e subjetivo, até mesmo em seu final.
Outlast é um marco na qualidade e potencial de jogos independentes, mas principalmente na maestria em desenvolver uma história, jogabilidade e cenário que servem ao jogador uma experiência verdadeira e puramente de terror.