Em um ano lotado de produções do UCM (Universo cinematográfico Marvel), quatro séries, dois filmes ( anteriores a este), ainda há chance de sermos surpreendidos? Eternos chega com essa ambição de ser algo diferente das produções que já vimos esse ano e também diferente de todos os outros filmes da Marvel lançados até então.
É uma proposta bastante ousada. Pegue uma equipe mais desconhecida que os Guardiões da Galáxia eram antes de seu primeiro filme, uma diretora em ascensão vinda de um cinema muito autoral e espere que o casamento dê certo. Qual foi o resultado? vamos descobrir abaixo:
“ Os Eternos são uma raça de seres imortais que viveram durante a antiguidade da terra, moldando sua história e suas civilizações enquanto batalhavam com os malignos Deviantes. ”
A premissa é bastante familiar e ainda sim, traz diversos elementos interessantes que poderiam enriquecer em muito os personagens e todas suas camadas, isso é claro, se houvesse espaço para tais coisas. Chegamos assim no maior problema do longa, sua quantidade absurda de personagens. A direção de Chloé Zhao é diretamente afetada por esse problema embora ela se mantenha sólida em cenas “ mais humanas ”, cujo envolve interações simples e nas belas cenas de flashbacks onde vemos todo o amor da diretora pelo pôr do sol. Porém, dar atenção para todos aqueles personagens e suas distribuições pelas cenas, principalmente nas cenas de ação, é a parte mais problemática da direção de Zhao. Ela não domina bem o espaço, os personagens presentes neles e as possibilidades grandiosas que surgiriam de momentos assim. Zhao jamais consegue entregar uma escala que impressiona como Denis Villeneuve costuma fazer em seus longas. Ainda nas cenas de ação, fica claro o desinteresse da diretora que contrasta gigantescamente com as cenas mais humanas que privilegiam efeitos práticos, enquanto as cenas de ação são carregadas por dublês digitais e uma computação gráfica que o tempo inteiro causa estranheza e que pouco nos conecta no que está em tela. Ainda sobre a ação do filme, a dimensão e níveis de poderes dos personagens título são totalmente bizarras. Quando é conveniente para a história, eles fazem jus as suas mitologia sendo os seres mais poderosos do universo Marvel e em outros momentos, são extremamente vulneráveis. Não há roteiro na ação, não há uma lógica bem definida.
O roteiro escrito pela equipe composta por Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Matthew K. Firpo se perde na ambição e superficialidade. Novamente, há temas muito interessantes no filme como a ideia dos Eternos acompanharem e ajudarem na evolução humana e nos dilemas de cada personagem, porém, tudo fica preso na superficialidade. Afinal, como vamos acreditar no amor desses personagens pela raça humana se pouco vemos das realidades e interações humanas deles? bem como o pouco que acompanhamos de suas trajetórias durante a antiguidade até hoje?
O roteiro problemático também acaba afetando drasticamente o ritmo do longa com diversos flashbacks que atrapalham a narrativa, confundem e até certo ponto, arruínam um plot-twist já próximo do terceiro ato. Alguns deles são interessantes com o pouco que vemos da antiguidade e um drama particular do personagem Phastos, mas novamente… a superficialidade e indiferença se sobressaem. Outro ponto negativo para se destacar é os vilões extremamente genéricos em texto e visual (monstrinhos cinza… outro desperdício da arte riquíssima do Jack Kirby no mesmo ano, cof, cof… Liga da Justiça)
No elenco de Eternos também residem outros problemas do filme, a começar por Gemma Chan como Sersi e Richard Madden como Ikaris. Dois atores que isoladamente cumprem seu propósito, mas que não possuem química alguma como um casal. Um problema que reside no texto e na direção dos dois atores. O romance dos dois personagens é o “coração do filme”, e como ele não é bem explorado no texto e na direção, o longa acaba extremamente afetado por isso. De forma isolada, porém, Gemma Chan segura no papel enquanto Richard Madden soa como um ” cosplay ” de Henry Cavill como Superman ( e isso é um problema), tem muita apatia na sua atuação o que enfraquece bastante o personagem que no texto possui um potencial para ser o mais interessante e profundo do longa. Kumail Nanjiani como Kingo tem carisma e é um alívio cômico que funciona em poucos momentos apesar de soar como um estereótipo ambulante. Lia Mchugh como Duende atua bem e é uma personagem que tem dilemas fortes que o longa não consegue aproveitar de forma satisfatória. Brian Tyree Henry tem bons momentos e um potencial que também nunca é aproveitado. Lauren Ridloff como Makkari e Barry Keoghan como Druig possuem uma química interessante, mas seus personagens não se sobressaem. Angelina Jolie como Thena e Don Lee como Gilgamesh são outros dois atores que possuem uma ótima química e que em resumo são personagens interessantes – talvez os mais interessantes do filme -, porém, acabam sub-aproveitados. Outro desperdício do elenco é Salma Hayek em dos papéis mais simples e rasos de sua carreira. Para finalizar temos Kit Harington como Dane Whitman que tem uma passagem breve, mas que desperta curiosidade.
A trilha sonora de Ramin Djawadi não repete os mesmos acertos de sua excelente trilha do primeiro Homem de Ferro, entregando melodias bastante esquecíveis e que pouco empolgam durante a projeção do longa. Carregando até um certo didatismo das emoções que devemos sentir em certas cenas.
Eternos deixa um gosto amargo após o fim de sua projeção. Ele tem ideias interessantes, conflitos interessantes e um potencial que se tivesse sido bem aproveitado teria rendido um dos melhores longas do UCM, mas seus problemas afetam demais o longa. Não há termo melhor para resumir o filme do que uma boa ideia mal executada. Ele foge da tão comentada “fórmula Marvel”, tem uma identidade forte e ainda sim, não consegue nem se firmar como um bom entretenimento.