Em seu terceiro filme, o diretor Robert Eggers atinge o ápice de sua carreira até então. Depois de A Bruxa e o Farol, a proposta agora é uma releitura de Hamlet de Shakespeare, o conto de vingança mais popular da história adaptado diversas vezes até no formato de animação como o Rei Leão da Disney. As influências do conto estão presentes na estrutura do filme, na divisão em tomos e na narrativa. O material-base por si só já é bastante rico, mas o diferencial está em como o clássico conto de vingança é elevado pelos gloriosos aspectos técnicos e o mergulho nos simbolismos, no aprofundamento da mitologia nórdica e no aprofundamento histórico.
Estamos diante de um filme que visual e estruturalmente parece muito com um épico e que ao mesmo tempo tem um tom contido como os próprios trabalhos anteriores de Eggers. O próprio longa carrega um caráter auto-referencial dos trabalhos anteriores do diretor, trazendo nomes que já brilharam em seus outros filmes e flertando com elementos de horror e suspense. Os momentos onde elementos mais místicos e mitológicos surgem sempre estão cercados de sugestividade, deixando a interpretações se o que está acontecendo é real ou apenas a fé exalando dos personagens. As cenas de ação viscerais são retratadas de forma brilhante pela direção, em planos sequências e enquadramentos que remetem a teatralidade (outra referência ao conto) e até momentos mais brutais são sentidos sem necessariamente focar tanto na sanguinolência(ainda que a atinja em certos momentos). Da mesma forma que o filme consegue ser visceral ele também consegue ser contemplativo e belíssimo como na sequência em que os personagens de Alexander Skarsgard e Anya Taylor-Joy avançam com o barco para a Yggdrasil (a árvore da vida na tradição nórdica). Habilmente vemos transições entre o profano, o épico, o belo e o sugestivo, o que nos guia a uma experiência única. Experiência essa que se completa com o design de produção, a bela fotografia e a mixagem de som que nos transportam para aquele universo. Assistir O Homem do Norte é uma experiência sensorial.
Os méritos se completam com o elenco, a começar por Alexander Skarsgard como Amleth (referência clara ao autor do conto adaptado…), o homem simplesmente se entrega ao animalesco e o trabalho corporal, a postura e a expressão facial são impressionantes. Aos poucos, vamos vendo ele se humanizar durante a história seja na narrativa e também em sua atuação. É um trabalho sensacional. Nicole Kidman é outra que merece destaque, indo do contido a “explosões” que estão no equilíbrio do caricato. Ethan Hawke que tem uma participação breve, também brilha e transita entre o contido e o caricato. Seu destaque está principalmente em um monólogo bastante poderoso no clímax de seu personagem. Anya Taylor-Joy é outro destaque do longa e sua atuação, ainda que remete um pouco a alguns de seus trabalhos anteriores, tem momentos memoráveis. Sua personagem é uma das mais interessantes do filme. Claes Bang como Fjolnir, o antagonista, se transforma no papel em uma das melhores atuações de sua carreira. Willem Dafoe é outro destaque, ainda que sua presença seja bastante pequena.
O Homem do Norte é muito mais do que uma história sobre vingança ou uma adaptação do conto de Shakespeare. É uma experiência cinematográfica completa e imersiva. É um filme comercial com assinatura, com peso e significado. Sua complexidade está presente em muitos aspectos, seja nos simbolismos onde aos poucos vamos descobrindo que a jornada do Amleth não é sobre vingança e sim sobre preservar seu legado, ou em como aquele mundo visceral e trágico, ainda pode carregar uma certa beleza. O filme encontra até mesmo reviravoltas intrigantes durante o ato final envolvendo a relação de Amleth e sua mãe, Gudrún.
O Homem do Norte se consolida assim como um dos filmes mais marcantes do ano o melhor trabalho da recente e rica carreira do diretor Robert Eggers. Um filme que merece as telonas !!!