Recentemente, a famosa publisher de jogos japonesa Bandai Namco, em parceria com a produtora From Software, lançaram seu “Elden Ring”, nova série aclamada pela crítica e pelo público geral já habituado ao gênero criado pelo estúdio de jogos liderado por Hidetaka Miyasaki.
O nome desta alcunha popularmente conhecida dá-se principalmente pela sua trilogia “Dark Souls”, que inovou e revolucionou a forma como a dificuldade era retratada no mundo dos games, ainda mais levando em consideração que nos meados de 2011 (data em que o jogo fora lançado), haviam discussões por entre muitos jogadores sobre como as novas produções no mundo do entretenimento eletrônico estavam apelando para a facilidade para alcançar um maior número de jogadores, e consequentemente, maior lucro para suas produtoras.
Tendo em vista o sucesso inesperado do jogo “Demon’s Souls”, lançado exclusivamente para Playstation 3 em 2009 em parceria com a Sony, o estúdio de jogos decidira arriscar novamente, dessa vez em uma série que abrangesse múltiplas plataformas e evoluísse os fundamentos de seu predecessor espiritual.
Então, em 22 de setembro de 2011, o mundo conhecia um novo jogo, uma nova franquia, e um novo gênero. Mas como um game single-player com extrema dificuldade alcançou marcas tão incríveis? E como superou muitos jogos online massivos? A resposta não é simples, mas existe, e tentarei responder e ajudá-lo(a) a entender o que é, afinal, um “Souls-like”.
Tendo como base o primeiro jogo da trilogia “Dark Souls”, há alguns aspectos que podemos apontar como importantes na definição deste recente gênero, e todos eles baseiam-se em um pináculo de três hastes, sendo tais: level design; game design; quest design.
O level design resume-se basicamente ao ambiente em que o jogador está inserido, e como ele progredirá para alcançar os objetivos à medida que avança na narrativa e descobre novas mecânicas. Mas no quê “Dark Souls” diferencia-se dentre outros jogos JRPG (explicarei mais sobre esse termo daqui a pouco) consagrados? O que chamou atenção do público foi que o “Souls-like”, ou melhor, na época o “Dark Souls”, possuía um método de locomoção que, apesar de não ser em mundo aberto (até “Elden Ring”), também não era linear.
Depois de completar a primeira área do jogo, que funciona mais como um prólogo, o jogador é transportado para o primeiro ponto de controle após o tutorial, o “Santuário de Fogo”. É neste momento em que o jogo apresenta a sua forma de progressão geográfica, visto que há três caminhos em que o jogador pode experimentar e ir sem qualquer restrição, no momento em que bem entender. O jogo não restringe, mas incentiva através da sua dificuldade, o jogador a achar o caminho mais apropriado no momento, com a ajuda de NPC’s e mensagens deixadas por outros jogadores.
Essa característica marcante alia-se ao fato de que todas as localidades do jogo são interligadas e podem ser acessadas “comutantemente” pelos jogadores, diferente de jogos como “Dragon Age”, “Mass Effect”, “The Witcher”, em que o jogador deve teletransportar-se para a próxima etapa do jogo. Esta forma de progredir chamara a atenção de muitos desenvolvedores para formar o que viria a ser o gênero “Souls-like”, mas claro, há outros dois aspectos que devemos prestar atenção, pois todos funcionam de forma conjunta para formar este incrível jogo.
Para tentar explicar de forma simples a você, se o level design é a forma de um bom bolinho de fubá, o game design é o fermento que fará ele crescer. O game design inclui as mecânicas que determinam como o jogador interagirá com o cenário e com a história. Se aqui é onde o jogo brilha, aqui também é onde o filho chora e a mãe não vê, pois um dos assentamentos de “Dark Souls” é a sua dificuldade.
Em uma entrevista recente no The New Yorker, Hidetaka expressou sua simpatia com muitos jogadores casuais que não conseguem ir até o final de seus jogos:
“Eu de fato me sinto apologético por qualquer um que sinta que há um excesso de dificuldade a ser superado para terminar meus jogos […] Eu apenas quero que o máximo de pessoas possam curtir o sentimento prazeroso que vem quando se supera grandes desafios”.
E é sobre isso que se trata o “Souls-like”. Mecânicas típicas de um RPG de ação com as pitadas japonesas em aspectos como chefes clássicos a serem enfrentados e magias e inimigos espalhafatosos (em um ótimo sentido, claro) com uma dificuldade precisa. Muitos acham que o fato de não ser possível de escolher-se a dificuldade significa que por padrão há um botãozinho chamado “Difícil” e que está sempre ligado nos códigos do game, o que é uma inverdade.
A dificuldade do “Souls-like” está nas suas mecânicas de punição. Nenhum inimigo do jogo possuí uma forma aleatória de atacar, todos os movimentos são coreografados de modo que o jogador possa decifrar o melhor momento para efetuar seus ataques, respeitando um padrão existente para qualquer adversário, do primeiro zumbi que encontrar até o último chefão. Em contrapartida, seus ataques podem ser massacrantes e matá-lo com apenas um golpe. Além disso, uma mecânica interessante é a forma que o jogo trata os checkpoints, ou seja, para onde você vai quando morre.
O jogo possui uma quantidade de fogueiras satisfatória do seu início ao fim (lógico que a forma pode variar de jogo para jogo, mas os princípios são os mesmos). Elas devem ser ativadas manualmente e com o tempo podem também ajudar a teletransportar-se de um local para o outro, além de servirem para você subir de nível, já que a experiência do jogo não é armazenada definitivamente, e caso seja morto mais de uma vez, ela é perdida, o que conota ainda mais estresse e adrenalina no jogador para encontrar uma delas logo.
Descansar em uma delas não somente salvará o jogo automaticamente, como também recuperará seu HP (sua vida) e poções específicas sem qualquer custo ou limite, mas, é lógico que existe uma contrapartida para isso também. Ao descansar em uma fogueira, o jogo faz ressurgir todos os inimigos (com exceção dos chefes) que você matou na área em que descansou, o que resulta em um processo cadenciado e proposital na forma como você interage com os pontos de controle. “Será que vale a pena descansar aqui? Corro o risco de perder almas (experiência) se continuar avançando? Mas há um inimigo muito difícil ali na frente, é melhor eu parar? Ou é melhor eu voltar?” Tudo isso contribui para uma experiência de jogo que retira constantemente o jogador de sua zona de conforto e que para uns é uma frustração, e para outros é um motivo que deixa o game interessante e cheio daqueles momentos que te dão um baita frio na barriga.
E o último, e o meu favorito também, é o quest design. Seguindo nosso exemplo anterior, se o level design é a forma do bolinho de fubá, e o game design é o fermento que faz ele crescer, o quest design seria então o fogão que cozinha ele e dá consistência na sua massa (mecânicas) e seu sabor (level’s). O que gerou interesse em uma grande parcela de jogadores é que, por ser um JRPG (RPG japonês), era de esperar-se longas e elaboradas linhas de diálogo, com horas e horas de voice-acting e textões que fariam George R. R. Martin sentir inveja. Mas não, o “Souls-like” vai contra muitas das ideias tradicionais de progressão de quest (ou seja, as missões ou a história pela qual o jogador acompanhará as influências de suas ações ao longo dos níveis) de empresas japonesas e até ocidentais, como a Ubisott, Bethesda, Bioware, etc.
Todas as linhas de diálogo reforçam e zombam metalinguisticamente da dificuldade do cenário, gerando empatia para com o jogador e dotando de carisma muitos personagens que ficaram no coração de uma nova e incrível comunidade de jogadores. As dicas para progredir e entender a história são mínimas e, muitas das vezes, subjetivas. O jogador deverá contar com seus próprios sentidos para entender a história de um local, e o diálogo raro somente atiça a curiosidade que faz superar o medo de ficar estagnado por conta da dificuldade, além de contribuir com resoluções filosóficas e cinzentas tanto no que diz respeito a você enquanto protagonista, mas também no que diz respeito aos outros personagens que encontra ao longo da jogatina.
Todas essas hastes foram responsáveis por criar um gênero que estabeleceu-se solidamente no mundo dos games. E se “Dark Souls” fez o bolo de fubá, outras produtoras experimentaram acrescentar seus próprios recheios e sabores. É um gênero amplamente difundido, e pode ser sim cansativo, mas com a chegada de “Elden Ring’ no mercado, e que agora sabemos o que é um “Souls-like”, há somente duas provas que podemos tirar disso tudo: a primeira é a de que a inovação no mercado pode sair das tendências mais contraditórias que ele mesmo dita, e a segunda coisa é que bolo de fubá é muito bom.
Elden Ring encontra-se disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S e PC (via Steam).
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