“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido.”
Howard Phillips Lovecraft
O que a frase acima nos causa, em um primeiro momento? Alguns podem argumentar que emoções são mais amálgamas do que setores fragmentados em nossas mentes, e que dificilmente sentiremos tais aflitos de modo segmentado. Já outros podem argumentar que o desconhecido é um reflexo de nós mesmos projetados em desconfianças alheias. Outros podem também outorgar inutilmente a afirmação de que a morte é o medo supremo, sem levar em conta que suas raízes são o próprio desconhecimento por parte de quem vai, e dos que ainda irão.
Mas todas essas argumentações são suplantadas pela própria imagem contraditória da frase apresentada, pois até mesmo suas implicações são nevoentas. Essa é a genialidade de seu autor, e sua carreira literária e suas ideias polêmicas, que deixaram um verdadeiro legado para os livros, jogos, filmes e séries de nossos tempos. Mas o que torna um sujeito introspectivo de Providence, Estados Unidos da América, nascido em 1890 e falecido em 1937, em uma figura tão primordial para o horror que conhecemos hoje? Para respondermos tal pergunta, precisaremos mergulhar na sua vida e obra.
Uma vida problemática:
Howard foi um sujeito prolífico, que escreveu muitos contos, poemas e milhares de cartas e artigos ao longo de sua breve vida, e tais sementes podiam ser vistas muito cedo, quando ainda era um menino. Influenciado por familiares elitistas, Lovecraft banhou–se em muitas obras clássicas e seu gosto fora refinado por um acervo na casa do avô digno de inveja.
Contudo, não demorou para que seu pai enfrentasse um sério problema de saúde, que internou–o com diversas perturbações psicológicos e que impactou o escritor ainda jovem. Somando tais experiências com um endividamento gradual de um negócio familiar e diversas pressões no modo americano de viver e trabalhar do século vinte, que prometia ser avassalador, Lovecraft retraiu–se cada vez mais a suas próprias divagações inseguras e despertara muitos de seus preconceitos extremamente racistas.
O desejo de fazer parte de uma alta literatura incentivou Lovecraft a ingressar em uma carreira literária que somente viera a consolidar–se quando já estava em seus dias finais, diagnosticado com câncer e negando tratamento médico devido aos traumas de infância.
Para captar sua renda essencial, HP Lovecraft, com este pseudônimo, enviara contos para o mercado que havia escrito baseando–se em seus pesadelos e medos intrínsecos, onde criaturas inimagináveis assolavam a vida de pessoas comuns (muitas delas céticas e acadêmicas), enlouquecendo–as gradualmente e gerando cenas fortes para um público de início de século vinte.
Seus contos chamaram a atenção de diversos editores de revistas feitas com a polpa do jornal de noticiários impressos e que eram comercializados para entreter grande parcela do povo americano (conhecidas como revistas pulp), que, após o fim da primeira guerra mundial, enfrentava fortes crises econômicas à medida que tentava restabelecer–se novamente. Mas o que tais contos tinham de tão especial e o que fazem–nos serem incontestavelmente os fundamentos do nosso horror pós–modernista? Você descobrirá agora.
O medo em suas formas primordiais:
O medo pode assolar–nos de diversas maneiras. O medo de perder o ônibus para um vestibular; o medo de não ter dinheiro para pagar uma conta de água e luz; o medo cair de um lugar alto; todos estes medos são válidos do ponto de vista moderno e evolucionista, mas os medos que vemos apresentados nas obras com o intuito de entreter são dois: o terror, e o horror, e peca aquele que acredita que tais termos são sinônimos.
O terror é um sentimento visceral, que foge do sobrenatural e do inconsciente, muitas das vezes sentidos em situações palatáveis, como o medo que se sente quando sofremos um assalto e temos uma arma apontada para as nossas faces; ou o medo de saber que um carro está em rota de colisão com você, no meio da rua; assim como o medo por outrem, como quando um familiar está acidentado próximo a você e gravemente ferido. O terror é um sentimento muitas das vezes abrupto, e pode causar um medo tão avassalador quanto qualquer entidade vindoura dos quintos de algum inferno.
O horror, por outro lado, é aquele sentimento tênue, subjetivo, não necessariamente sobrenatural (apesar de estar atrelado comumente a tais temas). O medo que se sente quando vê a maçaneta de seu quarto sendo girada sabendo que não tem ninguém em casa; o medo que se sente quando ouves uma voz no fim do corredor de seu prédio; ou então quando sentes algo que aproxima–se de você em uma ruela de um subúrbio em uma madrugada sem saber o que ou quem é; e claro, os medos sobrenaturais, que discutirei agora.
HP Lovecraft masterizou de forma incomensurável grande parte daquilo que temos hoje em dia como a base das histórias de terror. Mas seu diferencial era aplicar as duas formas, o terror, e o horror, de forma tão tênue e impactante que o sentimento causado pelos clímax de seus contos era quase vertiginoso, gerando o que ficou conhecido como horror cósmico. Lovecraft sempre deixara claro suas influências do trabalho de Edgar Allan Poe, escritor e poeta norte–americano que já passeava nas alamedas do terror quando ninguém ousava, e seu sucessor espiritual tinha o intuito de banalizar esse sentimento e torná–lo acessível a um grande público.
Para gerar esse desconforto e medo, Lovecraft criou uma mitologia, chamado Mitos de Cthulhu, que nomeava o que veio a ser sua criatura mais famosa. Essa mitologia propiciava a união perfeita entre o terror e o horror, já que elabora diversas criaturas alienígenas que transcendem todos os parâmetros tecnológicos da humanidade e divaga sobre o que aconteceria se elas simplesmente “dormissem” em nossas terras e mares por alguns milênios, e despertassem no que Lovecraft considerava pessimisticamente ser o nosso apogeu do pensamento científico.
Buscando colocar pessoas céticas frente a criaturas inomináveis, o autor brincava com a sanidade e insanidade na mesma medida, e combinava o horror e o terror como nenhum outro. Por exemplo, imagine que você, um cientista cético de quarenta anos, experiente na sua área de atuação, é chamado para resolver um caso simples. Suponhamos aqui que seja um médico a resolver um caso sobre uma alergia que afetara uma família por conta de fungos em uma casa pobre, e descobre de forma escabrosamente metódica que aquele fungo é uma criatura sobrenatural que suga as energias vitais de transeuntes próximos, e que o tem como próximo alvo.
Esses horrores aventurescos tornaram–se comuns nas histórias de Lovecraft, mas alguns escalonavam tais sentimentos a níveis colossais. Como em “Dagon”, onde um grupo de pescadores à deriva no meio do mar descobre o que parecem ser o topo de uma cidade antiga e despertam uma criatura de tamanhos continentais.
Os exemplos de como esse horror tornara–se comum na cultura pop são quase infinitos. Desde as obras mais recentes e populares, como Stranger Things, até as mais antigas, como Lost, até as mais antigas ainda, como os filmes onde monstruosidades assolam pessoas comuns nos meados entre as décadas de sessenta até noventa, são somente vírgulas neste cenário cinematográfico.
No cenário dos jogos, como Resident Evil e Silent Hill, assumimos a pele de personagens que precisam enfrentar monstruosidades e escapar de um horror de proporções enormes com poucos recursos e sem entendo ao certo o que de fato enfrentamos. Nos quadrinhos norte–americanos e nos mangás, a estética do terror que segue a alcunha “lovecraftiano” também ganha espaço, pois é comum o enquadramento em que a ameaça não é de todo revelada, ou quando é, geralmente o personagem não tem capacidade de suportar, como em Tomie e diversos outros trabalhos de Junji Ito, e em diversas revistas populares dos anos sessenta,
O legado desta figura polêmica é inominável, assim como o seu horror, que dia após dia cativa novos leitores e autores com ideias provocantes sobre até onde o avanço do pensamento humano não contribuirá para a sua própria hecatombe. E bom, eu, simples humano que redige esta obra, somente posso admirar e matutar tais pensamentos enquanto consumo essas obras que provocam adrenalina e paixão pelo gênero em gerações incontáveis de consumidores, e espero que com este artigo possa incentivar as próximas gerações de apaixonados por esse gênero.