Adão Negro é um projeto que Dwayne (THE ROCK para os mais chegados) Johson vem tentando tirar do papel há anos. Inicialmente como o principal vilão do filme Shazam, o projeto acabou evoluindo e se tornou um filme solo do personagem título. Hoje, Adão Negro chega dentro de uma fórmula que vem se tornando tendência em Hollywood: filmes de vilões que se tornam heróis. Como exemplo temos Malévola, Cruella, Venom 1 e 2, Morbius e mais alguns anunciados para o futuro. Adão Negro não é muito diferente deles, estamos diante da jornada de um “vilão” que passa para “anti-herói” e no fim se torna um “super-herói”. Todos esses exemplos têm em comum a falta de ousadia em assumir que o protagonista é um vilão e que o acompanharemos tomando ações reprováveis. Essa reflexão inicial não é uma crítica negativa ao produto em si, mas é importante a ser feita: Tendo em vista esse ser o projeto dos sonhos do The Rock e ter sido tão promovido como “o filme que iria mudar hierarquias”, será que teríamos um resultado melhor se esse fosse um filme um pouquinho mais corajoso?
Na trama, após passar 5 mil anos preso, o poderoso Teth-Adam (The Rock) é libertado de sua tumba terrena e pretende liberar sua forma cruel de justiça no mundo moderno.
O roteiro escrito pelo trio Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani é bastante simplista e costura todas as situações e demais personagens envolta de seu personagem título. Muitas das subtramas criadas são somente justificativas para a próxima cena de combate, o que é honesto com a proposta do filme… até certo momento. A trama escrita pelo trio é bastante frágil e recheada de inconsistências narrativas que afetam até mesmo a jornada do protagonista e seu principal arco de desenvolvimento. Até existem conflitos interessantes que são levantados, como o discurso entre justiça ou vingança que coloca em cheque a moralidade do Adão Negro, afinal, se ele mata ele não é diferente de seus inimigos, certo? Mas esse discurso que é proposto pela Sociedade da Justiça rapidamente é esquecido pelo filme e nunca consegue ser mais do que uma passagem superficial e esquecida. Outro ponto interessante que o roteiro levanta é o discurso sobre a interferência e moralismo americano em países estrangeiros também vindo da presença da Sociedade da Justiça (olha só, estamos vendo um padrão aqui), mas que novamente é esquecido.
Se o roteiro não brilha, o elenco tenta extrair o que pode e é o caso de Pierce Brosnan como o Kent Nelson/O Sr. Destino e Aldis Hodge como Carter Hall/O Gavião Negro, o primeiro parece genuinamente estar se divertindo no filme. Embora o roteiro entregue diálogos rasos e batidos para o personagem, um fiapo de mitologia ou contextualização, Brosnan tenta fazer o que pode e seu carisma ajuda na composição do personagem mesmo que o clímax de seu arco narrativo seja pessimamente executado. Aldis Hodge como Gavião tem um espaço até melhor no roteiro embora não haja muito o que tornar seu personagem memorável ou empático, o ator também encontra seu carisma e convence principalmente nos momentos da ação. Noah Centineo como Esmaga-Átomo e Quintessa Swindell como Ciclone são os super-heróis mais esquecíveis que o gênero entregou nos últimos anos, a frágil trama não consegue justificar em momento algum a presença dos dois e não há nada para eles fazerem durante o filme inteiro. Um desperdício da participação dos dois atores. Sarah Shahi como Adrianna e Bodhi Sabongui como Amón são os piores personagens do filme. A primeira serve apenas para o andamento da trama e ser uma peça de diálogos expositivos, o segundo, é o elo de humanização com Adão Negro que é executado da pior forma possível fazendo o filme cair no pior exemplo de uso de cafonice ruim. As limitações do ator são enormes e a direção e tampouco o texto ajudam nesse quesito. Ainda temos Mohammad Amer como um alívio cômico que não funciona em momento algum. Por fim, temos Dwayne Johnson como Teth-Adam/ Adão Negro que além de sua costumeira forma física, não possui nenhuma caracterização visual ou elemento que o faça emergir no personagem. Na verdade, é o personagem que tem que se adaptar a sua persona já consolidada em qualquer outro filme do ator como Jumanji, Jungle Cruise, Arranha-Céu, Rampage… a única diferença aqui é o que o humor do personagem é contido. Dwayne até carrega o carisma costumeiro onde sua principal inspiração ou tentativa de emulação o tempo inteiro vem de Arnold Schwarzenegger como T-800 em Exterminador do Futuro 2 – Julgamento Final.
A inspiração não para apenas na atuação de The Rock, toda sua relação com o personagem Amon parece um pastiche direto desse filme. Em cada cena contendo os dois personagens interagindo e como o elo de impatia cresce entre os dois é possível sentir a “inspiração”. No entanto, não para por aí. Adão Negro ainda possui um cárater de paródia quando vemos o mesmo pastiche se repetir durante o filme e vindo de outros filmes de super-herói como a mansão e o jato do Gavião Negro que parece ter vindo direto dos filmes do X-Men, a máscara do Esmaga-Átomo que é idêntica ao do Deadpool de Ryan Reynolds, uma sequência inteira em câmera lenta (aliás, o excesso desse recurso no filme é digno das tosquices de blockbusters do inicio dos anos 2000) com música pop idêntica as sequências do Mercúrio de Evan Peters. Isso também respinga na composição de outros personagens do filme como o Sr. Destino que evoca “dimensões espelhadas” e analisa futuros possíveis e um Esmaga-Átomo que é uma máquina de alívio cômico o tempo inteiro também parecido com outro personagem que muda de tamanho…
É natural que existam semelhanças de poderes e mitologia desses personagens com concorrentes que tem uma longa história nos quadrinhos, mas ao realizar um filme em um cenário já tão lotado dessas produções, o caminho sempre deve ser ousar e tentar não cair em comparações.
Outro ponto negativo do filme é o humor que além de não funcionar organicamente dentro do roteiro de uma cena ainda soa como uma exigência do estúdio. Passando longe de um uso bem feito desse recurso e até atrapalhando muitas das cenas e também cometendo um erro que a concorrente comete, esvaziar qualquer tipo de tensão de cenas chave como a longa sequência onde Adão Negro tenta resgatar um personagem x das mãos da Intergangue e o filme para para fazer entregar suas piadas. Outro mau exemplo do uso do humor é a bizarra homenagem que o longa tenta fazer ao épico clímax de Três Homens em Conflito (1966), novamente uma cafonice sem propósito.
Diante de tantos problemas, o longa dos sonhos de The Rock poderia cair no cenário ruim facilmente, mas a direção de Jaume Collet-Serra impede entregando uma ação competente. A cena em que Adão Negro é libertado de sua tumba tem provavelmente o momento de combate mais memorável do filme, cada morte é filmada de uma maneira mais criativa que a outra e é possível sentir o impacto e a extensão dos poderes do protagonista. Os outros momentos de combate ao longo do filme, no entanto, ficam em um meio-termo entre Matrix Revolutions e o Homem de Aço que não empolgam, mas são competentes. Serra tem uma maneira muito interessante de filmar os poderes do personagem título em sequências simples onde o personagem está flutuando ao invés de estar caminhar o que ajuda a compor uma face em que o texto falha em entregar, o ego do mesmo.
A trilha sonora de Lorne Balfe é bastante competente apostando em faixas que misturam remixes modernos com um caráter de épico e até toques egípcios. Nada memorável é criado, porém, funciona em embalar os momentos de ação muito mais do que qualquer outra música pop usada.
Em um consenso geral, Adão Negro é um filme carregado de uma mediocridade narrativa imensa e cheio de pastiche de outros filmes de super-herói, mas que entrega uma ação divertida. É inegável que assim como Venom da Sony ou Transformers de Michael Bay, vai cair nas graças do público. Ainda sim, por ser um projeto que levou tantos anos para ser feito, o resultado poderia ser um pouquinho melhor dentro de um gênero que vive as ameaças de saturação.
A hierarquia de poder não mudou na DC Comics, mas agora eles tem seu próprio Velozes e Furiosos.
Nota: 5/10
Ps: A cena pós crédito é de longe a melhor coisa do filme inteiro.