Homem-Aranha no Aranhaverso foi um estrondo no cinema de super-heróis. Revolucionário em estilo, a animação combinava diversos estilos com CGI, elementos de quadrinhos e a animação tradicional para criar uma estética inédita nas telas. Uma das técnicas mais notáveis utilizadas no filme foi a sobreposição de diferentes linhas de animação para criar uma sensação de profundidade e movimento. Esse efeito conferiu uma aparência tridimensional às cenas, dando a impressão de que estávamos vendo uma história em quadrinhos ganhando vida. A inclusão de elementos gráficos, como texto em balões e efeitos visuais reminiscentes de quadrinhos, ajudou a imergir ainda mais o público nesse universo visualmente rico. “Homem-Aranha no Aranhaverso” também se destacou por sua narrativa emocional e universal, havia uma história muito pessoal que mergulhava na essência do personagem aracnídeo assim como Homem Aranha 2 de Sam Raimi fez no passado. Além disso, a introdução do personagem de Miles Morales, um jovem afro-latino como o novo Homem-Aranha, o filme ofereceu uma perspectiva fresca e inclusiva para o icônico herói e o gênero como um todo.
Com base em todo esse impacto do filme original se torna um enorme desafio para uma sequência manter a qualidade ou até elevar a mesma, mas é justo dizer que Homem Aranha: Através do Aranhaverso se esforça. Reaproveitando as bases estabelecidas no primeiro filme, a sequência costura os principais eventos responsáveis por desenrolar a trama com o que vimos no primeiro, o que traz um sentimento muito interessante de recapitulação feita com competência. A principal ameaça do filme por exemplo tem relação direta com o primeiro, as consequências do primeiro filme envolvendo o multiverso continuam a se desenrolar aqui afetando diversos eventos e por aí vai.
O maior feito da sequência está presente no amadurecimento dos protagonistas, Miles Morales (voz original de Shameik Moore ) e Gwen (voz original de Hailee Steinfeld). A dinâmica e química entre eles consegue funcionar de tal modo que a presença da dupla é hipnótica em tela e impossível de não se conectar. Isoladamente o arco de ambos também é interessantíssimo. O núcleo familiar de Miles e a relação com seus pais recebe um enorme desenvolvimento ao longo do filme que é conduzido com uma maestria narrativa e o mesmo vale para o núcleo de Gwen e seu pai que abre e conclui o filme. Há um olhar muito maduro e completo nessas relações que o roteiro estabelece e a animação surpreendentemente cede muito espaço para isso, sacrificando até mesmo sequências de ação que seria esperado roubarem a atenção em um filme como esse.
Quanto aos outros personagens, começando por Peter B. Parker (voz de Jake Johnson) tem um retorno que não encontra muita serventia narrativa e o alívio cômico do personagem com sua filha May-Day desafia um pouco da lógica da responsabilidade costumeira de um Cabeça de Teia (que imprudente da parte do Homem-Aranha levar uma bebê para a ação, não?). A sensação de desperdício do personagem tão carismático do primeiro filme é a que permanece. O personagem inédito Miguel O’Hara (Oscar Isaac) desempenha a função de antagonista, mas não há muito desenvolvimento que abra espaço para ele brilhar. Jessica Drew, a Mulher-Aranha, (Issa Rae) é uma adição interessante que mesmo com uma participação limitada consegue convencer mais que o Miguel O’Hara. Outras participações que se saem melhor são a do Homem-Aranha Punk (Daniel Kaluuya) e do Homem-Aranha Indiano (Karan Soni). O antagonista Mancha (Jason Schwartzman) é muito interessante visualmente e seu desenvolvimento de cômico para ameaça merece elogios.
Outro ponto alto está na estética que acompanha o traço elogiado do primeiro filme, mas abrindo diversos espaços para experimentações. De CGI para Lego, animação 2D e por aí vai. Traços mais pastéis se misturam ao 3D encontrando um resultado que impressiona visualmente. É um resultado impecável que a produção atingiu e a montagem acompanha isso unindo estilo a estilo e encontrando um resultado orgânico.
Acompanhando a parte técnica, a trilha-sonora de Daniel Pemberton revisita o belíssimo tema principal do filme original enquanto traz novos temas. Os acordes eletrônicos do tema de Miguel O’hara traduzem a natureza ambígua do personagem enquanto os toques de bateria presente no tema de Gwen retratam perfeitamente a essência da personagem e os dramas que a cercam. Ainda há muito de hip-hop e eletrônico também e o resultado é muito envolvente ditando o tom de cada elemento que o filme estabelece.
Quando comentei sobre o filme se esforçar para superar o original ou manter a mesma qualidade me refiro a todos esses elementos citados até o momento. Algumas escolhas narrativas, a excelência gráfica e visual o que pode soar contraditório no que será dito a seguir, mas Homem-Aranha: Através do Aranhaverso perde muito por ser uma experiência incompleta. Já perto do terceiro ato, o filme encontra uma “barriga narrativa” para explicar diversos elementos de multiverso, apresentar inúmeras participações especiais o que torna difícil se conectar dramaticamente com toda essa porção do filme embora seja o que o roteiro exige. Passado toda essa parte, as situações vão se desenrolando em preparação de um clímax cujo as sementes são colocadas desde o primeiro ato, mas esse clímax nunca chega e a sensação de uma experiência incompleta é a que permanece. O saldo se torna agridoce.
Existem sim filmes semelhantes que deixam um enorme gancho para continuações principalmente dentro da esfera geek como o Império Contra Ataca e Vingadores: Guerra Infinita, mas esses exemplos possuem um clímax. Eles possuem uma conclusão apoteótica que torna suas experiências completas ao mesmo tempo que deixam um gostinho de “quero mais”. O mais próximo que Através do Aranhaverso encontra de chegar em um clímax é a resolução do arco narrativo da Gwen e mesmo assim não é o bastante para tirar o sentimento agridoce que o filme deixa. A escolha narrativa de transformar esse capítulo inteiro em “somente uma preparação para o próximo” não poderia soar mais infeliz. Essa escolha impede que o longa supere seu antecessor embora os méritos citados anteriormente se mantenham.
Em resumo, a sequência de Aranhaverso acertou muito na estética, no amadurecimento dos protagonistas, seus núcleos familiares e trilha sonora, mas soa como essa experiência interrompida no meio. Ainda sim, vale a pena conferir.
Nota: 8,0/10