Dois meses atrás Avatar: O Caminho da Água apresentou um novo universo dentro da biodiversidade viva e rica de Pandora, o reino subaquático do povo Omaticaya. Em uma mescla de efeitos digitais e efeitos práticos, James Cameron nos conduziu em uma experiência imersiva naquele mundo e durante toda a projeção do longa é possível entender como aquele mundo funciona, suas regras e entender o porque toda aquela biodiversidade deve ser protegida. As regras são estabelecidas ao mesmo tempo que nós como público criamos a conexão e empatia necessária para acreditar naquele universo lúdico. Isso se chama construção de mundo ou Worldbuilding, em inglês. Em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, o reino quântico do título não tem 1 % disso. O mundo subatômico tão referenciado em filmes anteriores e palco nesta terceira aventura não poderia ser mais desinteressante.
A pobreza primeiramente se apresenta na parte técnica desse universo. As telas verdes que expandem sets pequenos são notáveis e a qualidade dos efeitos especiais, seja nas sequências de ação ou nas muitas criaturas digitais que aparecem no longa, é questionável. No entanto, os (d)efeitos especiais poderiam até ser relevados se o texto nos apresentasse alguma substância. Os habitantes do Reino Quântico vivem uma guerra civil e parte de seu povo é oprimida pela Dinastia Kang, mas isso é muito dito e pouco mostrado. Não há como comprar esse sofrimento do povo marginalizado desse mundo subatômico ou sequer sentir os riscos que Kang pode trazer para aquele universo. É difícil criar empatia pelo povo e sentir que aquele é um mundo vivo com detalhes e uma biodiversidade. O resultado é artificial e vazio.
E quanto ao núcleo principal dessa terceira parte da trilogia do Homem-Formiga? O coração do filme?
A família formiga, como irei apelidar aqui, não poderia ser menos interessante. Paul Rudd entrega uma atuação confortável e que pouco se arrisca em entregar qualquer nuância inédita ao personagem título mesmo que o passo natural da franquia deveria ser um amadurecimento do mesmo. Evangeline Lilly como Hope/Vespa acaba escanteada mesmo que o nome de sua personagem esteja no título. Não existe sequer um arco narrativo para a personagem. Michael Douglas está claramente entediado com as telas verdes ao seu redor e seu personagem tem tantas nuâncias quanto a areia alaranjada que cobre os cenários que os protagonistas percorrem. Michelle Pfeiffer como Janet não tem muito o que entregar, sua personagem é uma exposição ambulante. O tempo inteiro soando como um pedaço de papel que explica cada elemento do reino quântico. Não existe profundidade alguma na sua personagem e na relação dela com o resto da família. Por fim, Kathryn Newton como Cassie é um amontoado de clichês de personagens adolescentes. Suas motivações são pobres e a atriz está visivelmente perdida naquele mundo de personagens digitais e tela verde. A relação de Cassie e Scott Lang tão importante para a trama é extremamente mal desenvolvida, falhando em criar qualquer conexão com ambos os personagens.
Jonathan Majors como Kang, o vilão tão importante para a próxima saga da Marvel, é subaproveitado. Sua atuação foge da empatia que Josh Brolin buscava alcançar com Thanos, Kang é o oposto. Ele se reconhece como um vilão cruel e superior a qualquer um. Majors consegue entregar ameaça ao mesmo tempo que sua atuação tem uma certa classe presente em pequenos trejeitos. O ótimo figurino completa essa figura de imponência. No entanto, desde o primeiro momento que ele aparece em tela, fica claro que esse não era o filme para esse personagem. Todos os elementos que envolvem Kang desde suas motivações e estadia no reino quântico parecem deslocadas e seu embate com Scott Lang não é interessante. Seu antagonismo não funciona para aqueles personagens e é difícil de acreditar em seu destino no terceiro ato e ainda mais difícil de esperar algo interessante envolvendo esse personagem no futuro dentro do universo cinematográfico da Marvel. Além de Kang, o filme também conta com o retorno de Corey Stoll, antigo jaqueta amarela e agora M.O.D.O.K e o resultado é… vergonhoso, no mínimo. Talvez em uma trama menor e apostando apenas no vilão como uma ameaça principal e que flutuasse entre o cômico e o ameaçador, o resultado poderia ser diferente.
Antes de falhar em apresentar o mundo título de maneira interessante ou entregar personagens que pareçam ter alguma substância, o maior problema do filme está em se distanciar dos dois anteriores e tentar ser algo maior. O charme de aventura leve com uma trama de assalto dá lugar a uma trama com um vilão de extrema importância para o futuro dos Vingadores, batalhas entre exércitos de CGI, mais seres alienígenas… e a impressão que fica é que a equipe criativa não deu conta de entregar isso. A direção de Peyton Reed está visivelmente desinteressada em tentar ser um Vingadores: Ultimato e o resultado é amargo. Até mesmo a decupagem do filme falha em muitos momentos ao criar transições de uma cena para o outra apresentando graves falhas técnicas. A impressão é que existem partes inteiras que foram descartadas durante o processo de montagem e fizeram falta no saldo final.
A terceira parte da trilogia do Homem Formiga foge da aventura descompromissada dos filmes anteriores e se atrapalha ao tentar alcançar um épico de ficção científica. Sua mediocridade técnica arruína qualquer chance de uma experiência divertida. O resultado não poderia ser pior. Não temos personagens minimamente desenvolvidos, não temos um universo interessante e não temos um antagonista bem aproveitado. Não há nada. Somente o vazio.