Desde que Corra apresentou Jordan Peele ao mundo seus projetos são sempre aguardados com muito entusiasmo. O que se seguiu em seu segundo filme, Nós, e até mesmo projetos em que Peele foi apenas produtor, como A Lenda de Candyman (2021). Em seus dois filmes já lançados, o diretor, produtor e roteirista traz raízes de um horror á la Além da Imaginação com fortes subtextos e paralelos sobre nossa sociedade. Resumindo, Peele tem substância em seus filmes de horror e muita técnica.
Nope… ou Não! Não olhe! chega aos cinemas cercado de expectativas e de um marketing que promoveu muito mistério acerca da “ameaça extraterrestre” em seu mais novo filme de horror com toques de humor. Porém, o longa atinge as expectativas?
De início, Nope já se distancia bastante de Nós ou Corra. Sua abordagem é outra, seus temas são outros e sua ousadia também é menor. Ainda há comentários raciais, principalmente, quando exploram o primeiro conjunto de fotos em movimento que foi protagonizado por um negro e que acabou esquecida pela indústria. No entanto, o tema do filme é outro. Peele firma a “exploração” como o tema central de seu mais novo filme e o tema recai sobre cada um dos personagens do longa. Seja nos irmãos protagonistas, OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) cujo o parentesco com o homem negro no cavalo nas citadas primeiras fotos em movimento, Jupe (Steven Yeun) um personagem extremamente afetado sobre um episódio em sua infância onde o programa televisivo em que atuava com um chimpanzé chamado Gordy termina em uma tragédia e mesmo profundamente marcado pelo trauma busca explorar isso comercialmente e o enigmático diretor de cinema Holst (Michael Wincott) que se entrega completamente a experiência de filmar o infialmável.
Nope estabelece uma trama dividida em capítulos onde a história vai se desenvolvendo com suas nuances e seu tema central sempre se enriquecendo mais e mais até o ápice. Um dos momentos mais memoráveis está na cena onde o trauma de Jupe com o chimpanzé Gordy, é revisitado. A direção de Jordan Peele consegue horror e impacto da tragédia causada pelo chimpanzé enquanto o texto enriquece a subtrama e o personagem de Jupe e também serve como simbolismo para a ameaça alienígena do filme.
Há muito o que se tornar memorável neste longa, há sequências como essa citada acima que são um espetáculo de subjetividade e construção de horror. Há vários momentos a serem citados, como o momento em que OJ está no curral e nota a presença de “outras coisas” ali, todas as aparições do ovni e a lenta construção do mistério e seu grandioso final. Em todas essas sequências, Peele insere suas influências no horror cósmico (Lovecraftiano) e até mesmo no western (a ambientação e os enquadratamentos). A direção é elevada pelo hábil uso do som que enriquece cada momento, definindo o filme como uma obrigatória experiência cinematográfica.
O elenco está muito bem posicionado, o destaque fica com a dupla dos protagonistas, OJ e Emerald, a cumplicidade e o carinho entre os dois irmãos funciona graças à química dos dois atores. Eles são os opostos um do outro, OJ é um personagem claramente mais silencioso, quieto e a interpretação contida de Daniel Kaluuya consegue expressar todas as emoções de seu personagem sem precisar que o texto fale por ele. Emerald é extrovertida, carismática e entrega os melhores momentos cômicos do longa, Keke Palmer é um destaque.
Em comparação aos trabalhos anteriores de Jordan Peele, Não! Não Olhe! Talvez seja seu filme mais comercial e “fácil” de ser digerido, mas nem por isso perde substância. A trama é habilmente conduzida do ponto de vista da direção, do espetáculo (que até mesmo está no texto do filme) e no roteiro. Há uma grande reviravolta envolvendo o ovni ao decorrer do longa com a famosa estrutura de “mostrar seu vilão aos poucos”, obviamente inspiração vinda de Tubarão do Spielberg, mas que nesse caso se entrega de fato ao “inconcebível” e “abstrato”. Um mistério que merece ser conferido em mais uma experiência marcante do diretor, embora menos ousada.…
Não! Não Olhe! É um suspense com substância, sequências memoráveis e um bom humor muito bem posicionado. Jordan Peele conduz habilmente seu tema enquanto presta tributos ao western e ao “horror grandioso”. Embora seja menos ousado que os trabalhos anteriores do diretor, é uma experiência cinematográfica que vale a pena.
Nota: 8,5/10