Steven Spielberg é um dos cineastas mais influentes de todos os tempos. Sua lendária filmografia inclui filmes como Tubarão, o pai do cinema blockbuster, clássicos atemporais do cinema de aventura como Et – O Extraterrestre, Os Goonies, Indiana Jones, Jurassic Park e dramas como A.I. – Inteligência Artificial e a obra prima sobre Segunda Guerra Mundial, A Lista de Schindler. Em seu mais novo trabalho, Spielberg retorna ao drama revisitando o início de sua paixão pela sétima arte e os dramas familiares que o moldaram.
Dessa forma, Os Fabelmans é um filme misto de semi-biografia e uma carta de amor à sétima arte. Em uma determinada passagem do filme, após ficar impactado com o primeiro filme que assistiu no cinema, O Maior Espetáculo da Terra (1952), o jovem Sammy Fabelman decide recriar a cena do filme em sua própria casa. Como sugestão de sua mãe, Sammy apanha uma câmera Super 8 e filma sua própria recriação da cena do acidente de trem do longa com seu trem de brinquedo. Durante um sutil momento, a direção de Spielberg coloca em foco o trem de brinquedo vindo lentamente na direção da tela, imponente, cheio de glória, esse sutil momento remete diretamente a Chegada do trem na estação ( L’Arrivée d’un train en gare de La Ciotat) a lendária filmagem dos irmãos Lumiére que foi a primeira exibição de um filme em uma tela de cinema. Um paralelo interessante para ilustrar o início da paixão de Spielberg. Se a chegada de um trem moldou o que o cinema se tornaria, “um acidente de trem” inspirou a carreira de um lendário cineasta que ditaria muito do cinema moderno que hoje consumimos.
Com esses paralelos o longa vai se desdobrando durante a década de 50 e o amadurecimento do jovem Sammy vivido por Gabriel Labelle. O drama familiar é definitivamente o coração do filme e molda não apenas o protagonista, mas também nos faz entender como isso impactou no trabalho do “Sammy da vida real”. Paul Dano que interpreta Burt Fabelman, é um homem que ao mesmo tempo que carrega gentileza e uma paixão genuína pela família intimida com seu intelecto e obsessão pela “técnica” vinda diretamente de seu trabalho. Enquanto Mitzi interpretada por Michelle Williams é completamente o oposto, impulsiva e uma artista nata por natureza, mas que conforme o andamento da trama acontece percebemos sua frustração na vida cotidiana como uma “dona de casa”. Se juntando a esse núcleo familiar está Bennie vivido com muito carisma e competência por Seth Rogen, o personagem é o “tio da família” e melhor amigo de Burt. Essa dinâmica do trio é conduzida de forma bastante sensível se aprofundando na complexidade dos personagens e o impacto que isso causa dentro do núcleo familiar de Sam. Este último tem uma entrega bastante verdadeira e humana de Gabriel Labelle, uma atuação que torna impossível não se afeiçoar pelo personagem e investir em sua trajetória.
Trajetória, aliás, guiada com bastante competência pelo texto escrito pelo próprio Spielberg e Tony Kushner. É bastante interessante notar alguns dos elementos e temáticas que viriam a ser repetidos na trajetória do cineasta como a Segunda Guerra Mundial em uma passagem extremamente memorável onde Sam extrai o melhor possível de seu colega na filmagem amadora, e também as influências que teve vindas de outro lendário diretor John Ford. Este tendo uma deliciosa participação com David Lynch no papel.
O grande destaque está nos momentos onde vemos Sam se aprimorando em seus curtas metragens, o processo pelo qual cada diretor passa: filmagem, montagem e as soluções criativas que surgem nesse processo para a solução de alguns problemas. A descoberta e paixão é habilmente ilustrada pela direção de Spielberg e a fotografia de Janus Kaminski que conseguem captar e expressar o crescimento desse sentimento em cada novo processo de montagem que o personagem realiza seja de seus curtas metragens ou registros cotidianos de sua família.
Talvez a única fragilidade que o longa encontre é em alguns temas que são levantados pelo roteiro, mas que não tem alguma serventia ou desenvolvimento para o resto da trama como anti-semitismo que o protagonista começa a sofrer já próximo do terceiro ato. Apesar disso, ainda que esses temas soem “soltos” do resto do filme, todo o núcleo nesse fim de período escolar é onde o filme ganha mais fôlego entregando uma conclusão bastante satisfatória.
Spielberg nos guia com maestria em uma revisitação no complexo núcleo familiar que o moldou e no despertar de sua paixão pela sétima arte. Um triunfo para o cinema moderno.
Nota: 9,0/10