Chadwick Boseman teve uma carreira promissora interrompida de forma abrupta. Sua morte trágica e inesperada foi um impacto dentro da cultura pop. E é assim que a morte costuma ser, anti-climática e abrupta. Não há uma catarse. Assim como aconteceu no mundo real, a perda de T’Challa/O Pantera Negra ocorre de forma equivalente já nos minutos iniciais e o que acompanhamos durante o resto do longa é como o universo rico apresentado no primeiro filme lida com essa perda.
O diretor Ryan Coogler que também co-escreve o longa, conseguiu imprimir dentro da trama a dor da perda da principal estrela da franquia tornando o luto a base criativa da sequência inserindo um carácter metalinguístico o que abre espaço para um potencial dramático enorme e que, felizmente, a direção de Coogler consegue explorar ao máximo.
A rainha Ramona interpretada por Angela Bassett protagoniza os melhores momentos dramáticos do filme. Sua presença em tela é poderosa e a direção de Coogler sabe valorizar isso, colocando a atriz em primeiro plano enquanto ela conduz diálogos e monólogos que se enriquecem com sua interpretação. Letitia Wright como Shuri ganha status de protagonista abandonando o posto de alívio cômico que desempenhava no primeiro filme. Sua interpretação sustenta embora ela esteja distante da mesma qualidade das outras atuações do filme, ainda que entregue momentos mais contidos e cheios de sentimento. Danai Gurira como Okoye e Lupita Nyong’o como Nakia também entregam atuações sólidas embora a subtrama de suas personagens não seja tão valorizada pelo roteiro, existem momentos marcantes. O caráter metalinguístico referido antes se faz presente principalmente nas atuações, afinal, é genuína a dor que as interpretações entregam e ainda mais levando em conta que o elenco estava passando pelo luto da perda de Chadwick.
Se o Pantera Negra de 2018 foi um marco na cultura pop por sua mitologia rica e sua excelente representação cultural, a sequência expande isso na forma do antagonista, Namor, interpretado por Tenoch Huerta. Um dos primeiros personagens da Marvel Comics, o Namor de Wakanda Para Sempre é reimaginado com raízes mesoamericanas. O ator “estreante” sustenta o papel de maneira muito sólida sendo de longe o maior ponto positivo da sequência. Sua interpretação carrega serenidade, arrogância e ameaça. O monólogo que revisita as origens do antagonista se posiciona como uma das melhores cenas já feitas dentro do universo compartilhado da Marvel. Namor está dentro daquela fórmula de “vilões empáticos” como o Killmonger de Michael B. Jordan foi, e certamente, consegue ser tão marcante quanto. O texto que envolve o personagem é rico, as escolhas artísticas e figurinos aliados ao tema criado por Ludwig Göransson e a interpretação de Huerta tornam o personagem definitivamente memorável.
No entanto, a sequência não está isenta de problemas e assim como ocorreu com Doutor Estranho: O Multiverso da Loucura os problemas vem diretamente do roteiro. Duas subtramas são apresentadas no filme, uma envolvendo a personagem estreante Riri Williams/Coração de Ferro interpretada por Dominique Thorne que apenas prejudica o ritmo do filme, servindo mais como uma introdução que terá serventia no futuro do universo compartilhado da Marvel. Tudo que envolve a personagem é extremamente pobre seja na parte criativa ou nos diálogos e a interpretação de Thorne não ajuda nisso. Outro problema é Martin Freeman como o Agente Ross, sua subtrama busca trazer um peso político e apenas serve para ser um festival de diálogos expositivos. Para uma sequência que se estabelece como um filme tributo às “obrigações” de fazer parte de um universo Marvel e se preocupar com continuações futuras e outros projetos, fragilizam o roteiro e empobrecem o longa. Minando o potencial que carrega. Nesse ponto, Wakanda Para Sempre deveria ser um longa mais independente desses outros projetos.
A trilha sonora de Ludwig Göransson expande o trabalho feito no primeiro filme ao mesclar cantos africanos em seus acordes e agora, há um pouco de techno além da influência mesoamericana e latina nos temas que envolvem Namor. Com destaque para as faixas:
Árboles Bajo El Mar, o tema que acompanha o monólogo sobre a origem de Namor. É uma crescente mesclando os acordes de Ludwig e cantigos latinos que cria um tema memorável e poético para o antagonista.
Sirens, outro canto latino usado pelo povo de Talokan para enfeitiçar suas vítimas, é belíssimo. Encantador, hipnótico e também evoca ameaça.
Wakanda Forever, o tema principal do filme é um mergulho no afro-futurismo e a melodia esperada para o tema de um super herói. Uma expansão incrivelmente empolgante do tema criado no primeiro filme.
Fechando um ciclo aberto no início do texto, o diretor Ryan Coogler supera todos os desafios de uma sequência tributo em sua direção. Mesmo que o roteiro limite caminhos que poderiam ser ainda melhores para o longa, seu trabalho na direção dos atores e mergulho nas ricas mitologias do filme tornam ele memorável. A criação de atmosfera em cenas como a primeira aparição do povo de Talokan e no embate final reforçam o trabalho de uma direção mais do que inspirada.
E dessa forma, Wakanda Para Sempre se estabelece como uma sequência tributo que expande o universo de seu antecessor com um apuro técnico, cultura e estético memorável. Interpretações sólidas celebram o legado de Chadwick Boseman embora o filme sofra com um roteiro não tão inspirado quanto.