O livro “Jantar Secreto” do brasileiro Raphael Montes, lançado em 2016 pela editora Companhia das Letras, é um suspense impactante e arrojado. A obra combina elementos da realidade carioca, com inúmeras críticas sociais e cenas de violência explícita. Além disso, apresenta um humor ácido e mescla diversos elementos narrativos para construir um texto fluído e simples, capaz de prender o leitor. Dessa forma, trata-se de uma obra peculiar, divertida, absurda, aterradora, tensa e incômoda.
Sobre Raphael Montes
Raphael Montes, escritor e roteirista nascido no Rio de Janeiro em 22 de setembro de 1990, é reconhecido por suas obras nos gêneros de suspense, crime e terror. Em 2010, fez sua estreia literária com o livro “Suicidas”. Posteriormente, lançou outras obras notáveis, como “Dias Perfeitos”, “O Vilarejo”, “Jantar Secreto”, “Bom dia, Verônica” (escrito em colaboração com a escritora e criminóloga Ilana Casoy) e “Uma Mulher no Escuro”. Em 2023, apresentou seu primeiro romance juvenil, “A Mágica Mortal”.
Seus livros possuem traduções em mais de 25 países, e os direitos de adaptação foram vendidos para o teatro e o cinema. É criador, roteirista-chefe e produtor-executivo de “Bom dia, Verônica”, série de sucesso na Netflix.
Sinopse: O valor da vida humana
A história começa quando um grupo de quatro amigos do Sul do Brasil deixa sua cidade no interior do Paraná, chamada Pingo d`Água, para estudar no Rio de Janeiro. Eles dividem um apartamento em Copacabana e fazem o possível para alcançar seus sonhos.
Apesar da proximidade desde a infância, eles possuem personalidades muito diferentes. Miguel, que fez Medicina, é o mais responsável e sensato do grupo; Hugo, formado em Gastronomia, é um grande cozinheiro egocêntrico; Leitão é um nerd da tecnologia; por fim, Dante, o personagem que narra o livro, formou-se em Administração e tem grandes ambições e metas na vida.
No auge da crise econômica de 2014 e diante das condições precárias de emprego, Dante recebe uma ligação informando que ele e seus amigos acumularam seis meses de aluguel em atraso. Sem recursos para saldar a dívida, decidem promover jantares gourmet em casa para desconhecidos.
Em meio a uma brincadeira, um dos amigos inadvertidamente divulga a possibilidade de servir carne humana nesses eventos. Para surpresa dos personagens, muitas pessoas abastadas demonstram interesse em participar, desencadeando assim um grande problema.
A pirâmide alimentar da sociedade carioca
ATENÇÃO: O conteúdo a seguir pode conter spoilers da obra Jantar Secreto.
Raphael Montes não tem medo de atingir os pontos fracos do leitor em sua escrita. Sob o olhar de Dante, ele revela a essência da sociedade carioca. Para isso, a narrativa simples combina receitas, diálogos de WhatsApp, e-mails, humor e mortes, com referências filosóficas a Dante Alighieri e Fiódor Dostoiévski. Os capítulos do livro são bem definidos e subdivididos em pequenas partes, o que facilita a leitura. “Jantar Secreto” também conta com inúmeras reviravoltas que deixam o expectador curioso sobre o enredo do livro.
Nos jantares, o protagonista explora um universo cada vez mais horrível, onde os ricos dominam os menos afortunados ou desprovidos de qualquer bem. Consequentemente, as cenas tornam-se cada vez mais intensas e grotescas, com discursos que provocam indignação e repugnância no leitor.
O canibalismo possibilita a introdução de vários outros temas, como a meritocracia, a desigualdade social, o racismo, a homofobia, a gordofobia, a violência contra a mulher, o machismo, o uso de drogas, os problemas psicológicos, o suicídio, entre outros. Além das questões morais e éticas que Dante apresenta ao leitor em relação ao consumo de carne e ao sofrimento das vítimas que são utilizadas para satisfazer o paladar de outras pessoas, sejam essas vítimas seres humanos ou animais. Isso muitas vezes leva o leitor a questionar sua própria alimentação.
Outro aspecto interessante é a forma como Raphael mostra o funcionamento do crime no Rio de Janeiro. Em muitos casos, a justiça falha em conter a criminalidade, e a polícia, em vez de prevenir injustiças, muitas vezes se torna aliada delas.
Ao se envolver em um grande crime, o autor mostra que as pessoas ficam sem escolhas, restando apenas a prisão ou a morte como opções. Devido à constante vigilância e à organização, também é um desafio conseguir fazer uma denúncia. Além disso, é importante destacar que até as personagens que não queriam participar dos jantares apresentam um caráter duvidoso e cometem algo imoral na trama, por mais simples ou nobres que sejam suas motivações. Isso pode fazer o leitor pensar se existe alguém pior no livro ou se todos são monstros.
Montes explora, ao máximo, a frieza das personagens descritas no livro. Quando ele menciona a elite carioca, apresenta pessoas que já experimentaram tantas coisas na vida que precisam de experiências além do normal para se satisfazerem.
São figuras muito egoístas e egocêntricas, que ocupam o topo da pirâmide alimentar da sociedade carioca. Aos olhos dos indivíduos comuns, esses ricos parecem cidadãos normais com dinheiro, que podem até estar envolvidos em alguns escândalos, mas nada muito absurdo. Por trás dessa máscara, porém, são pessoas terríveis.
Portanto, a ficção de Raphael assusta o leitor não apenas por sua narrativa exagerada e cenas violentas muito pesadas, mas principalmente porque os fatos descritos no livro, em alguns pontos, não estão muito distantes da realidade.
Jantar Secreto: Considerações finais
A obra é uma literatura adulta, não recomendada para pessoas sensíveis à violência ou que tenham algum problema com os gatilhos apresentados no texto, pois podem levar a prejuízos psicológicos.
Quando os personagens iniciam os jantares, a narrativa se torna muito envolvente, mas é preciso ressaltar um aspecto desagradável durante o período em que Dante e seus amigos perceberam que tinham uma enorme dívida a ser paga: eles possuíam outro recurso mais viável e seguro para conseguir o dinheiro. Contudo, o narrador do livro preferiu fazer jantares com carne humana ao invés de recorrer a essa ferramenta simples e convencional.
É compreensível para o leitor os argumentos de Dante para não querer usar esse recurso; no entanto, ao comparar essa opção segura com a opção dos jantares secretos, é óbvio que fazer pratos com carne humana é mais insano e perigoso. Nesse sentido, seria interessante que Raphael tivesse deixado os personagens com uma única solução: fazer os jantares.
Um ponto importante a destacar, que pode dividir opiniões, é a descrição de Montes do personagem Leitão, uma figura gorda. Em alguns momentos da narrativa, há quem acredite que Montes foi excessivo e repetitivo nas descrições, o que pode causar desconforto no leitor. Até mesmo algumas piadas de humor ácido sobre gordofobia no livro podem ser consideradas desnecessárias.
Por um lado, Raphael é exagerado em inúmeros momentos de “Jantar Secreto“, como já mencionado, não só com a gordofobia. Ademais, a narrativa contém elementos ainda mais chocantes e, sendo um texto na primeira pessoa, reflete unicamente a perspectiva do narrador. Portanto, se o narrador demonstrar forte gordofobia ou estiver em um contexto onde a gordofobia é banalizada, suas descrições de personagens gordos serão negativas. No entanto, é importante ressaltar que essa não necessariamente é a visão do autor.
Independentemente dos pontos apresentados para essa discussão ou dos demais relatos exagerados de Raphael, cabe à interpretação do leitor.
Por último, um aspecto a ser observado, embora banal, é intrigante: o leitor encontra uma motosserra na história, que é utilizada em várias ocasiões. O que não faz sentido é como ninguém próximo ao local em que Dante e seus amigos moravam ouviu a motosserra ligada.
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Crítica/Review
Jantar Secreto
Jantar Secreto proporciona uma leitura fluida e descomplicada, cativando o leitor com suas piadas de humor ácido, cenas intensas e diversas críticas sociais capazes de evocar horror, reflexão e estranheza. No entanto, é importante ressaltar que a obra não é adequada para pessoas sensíveis ou com menos de 18 anos. Além disso, apresenta alguns detalhes que não afetam diretamente sua qualidade, mas merecem consideração, tais como a motivação por trás dos jantares, a abordagem gordofóbica em relação ao personagem Leitão e o intrigante incidente da motosserra.
Detalhes
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Enredo
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Divisão dos capítulos
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Design do livro
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Desenvolvimento dos personagens
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Escrita da obra
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Descrição das cenas