Halo é uma das maiores franquias do mundo dos videogames, responsável por revolucionar o modo como os jogos de tiro em primeira pessoa funcionavam a partir de seu lançamento em 2001, em um console que à época era mais uma das apostas incertas da Microsoft: o Xbox.
Sua aclamada trilogia não somente conquistou uma legião de fãs por uma história rica em detalhes, jogabilidade divertidíssima e modo multijogador visionário, mas servira de estandarte para a consolidação de mais uma empresa no mercado de jogos eletrônicos.
Abraçado por uma legião de milhões de fãs e tornando–se uma franquia altamente lucrativa (cerca de US$05.000.000.000 em receita até seu presente momento), sua narrativa, trilha sonora, direção de arte e construção de mundo sempre deixaram uma fagulha mágica na alma de cada jogador: imagine se tivéssemos um filme sobre esse universo com o mesmo tratamento de “O Senhor dos Anéis”?
E o mundo foi à loucura quando fora anunciado que o próprio Peter Jackson (produtor da consagrada trilogia que adaptara os livros de Tolkien para as telonas) produziria um filme no universo dos jogos. Infelizmente esse trabalho foi cancelado, mas a esperança nunca morreu.
Ao longo dos anos, diversas adaptações deram–nos um gostinho sobre como esse cenário utópico poderia ser. As excelentes campanhas de marketing para divulgar o lançamento de cada um dos jogos, com destaque para os live–action’s pré–lançamentos de Halo 3, Halo 3: ODST e Halo: Reach sempre traziam à tona essa paixão.
Então, no conturbado lançamento do Xbox One, considerado um dos piores lançamentos de console da história, competindo em escala desastrosa com o lançamento do Playstation 3 e Nintendo Wii U, em meio a uma crise administrativa de diversos setores da empresa, o anúncio de Steven Spielberg novamente surgira como a esperança no fim do túnel: uma série inteira dedicada a esse universo com produção de um veterano do mercado!
A espera foi longa. Neste meio–tempo, uma forte fragmentação assolou a comunidade com a chegada da 343 Industries (empresa que herdou a franquia após a saída da Bungie da Microsoft), que aos poucos reconquistou os fãs, ainda tendo uma visão muito diferente dos velhos tempos, mas que finalmente havia retornado com a campanha de Halo: Infinite. Halo, que já era complicado de entender, também passou por diversas visões criativas, e como uma série poderia adaptar tudo isso?
Não deve ter sido um trabalho fácil, pois em nove anos e cerca de duzentas e quarenta versões de roteiro, que passou de mão em mão até chegar em Kyle Killen e Steven Kane, as coisas finalmente pareceram progredir. O teaser empolgante da série também trouxe consigo dúvidas e difamações desmentidas pelos próprios roteiristas (como quando divulgaram que eles – os roteiristas – nem haviam prestado atenção nos jogos). O próprio Steven Kane veio a público desmentir o argumento, dizendo que o time começou pelos jogos, mas à medida que avançavam no projeto, traduzir a intenção e a experiência de forma fiel acabou não funcionando.
O papel da série era popularizar a franquia e prepará–la para um público maior. Com a chegada dos primeiros episódios, e aqui começo a elaborar minhas considerações sobre a série e aviso que trarei alguns spoilers (mas nada concreto demais), vi muitos argumentos fracos, para não dizer ridículos, sobre como a série deveria se parecer ou dirigir–se. Minha crítica primária aos primeiros episódios era que tudo acontecia muito rapidamente, mas mudei esta crítica, o problema não era o ritmo, mas a ausência de elementos essenciais (já falarei mais sobre); muitos fãs puristas da franquia endeusam momentos como a simples remoção do capacete e a revelação do rosto do protagonista, coisa que não ocorre nos jogos pela simples direção criativa.
Vi muitos influenciadores e produtores de conteúdo consagrados criticando o simples fato de um protagonista retirar seu capacete em uma série televisiva, e emputeci–me ainda mais com os outros argumentos: ‘por que o Master Chief é tão ágil em desobedecer a UNSC?’, ‘por que há um membro humano no Covenant, religião esta que luta precisamente contra tal espécie?’, ‘por que acompanhamos as resoluções de uma colônia contra a UNSC e os Spartans?’.
Perceba, caro leitor, que estes mesmos “críticos” parecem esquecer que a história segue outra linha temporal, não canônica, justamente para dar liberdade criativa e permitir uma concepção mais cativante para o público casual. O pior disso tudo é ver tais “críticos” tentando representar uma comunidade inteira: “não é disso que Halo se trata! Não é isso que a comunidade de Halo quer!”
E desde quando esta comunidade sabe o que quer? Desde os jogos com visões mais diferentes, como Halo 4, uma parcela bem idiota da comunidade já irritava–me, pois já vinham com estes mesmos argumentos. Além de serem muito fracos, acham que sua opinião representa toda a base de fãs, quando é muito longe disso. Eu, por exemplo, como fã da velha guarda, adorei os jogos mais recentes, e quanto a série, fiquei muito empolgado com algumas decisões de direção. O simples fato do Master Chief remover seu capacete já me comoveu.
Sinceramente, não esperei nove anos para acompanhar a mesma história e não ver o rosto do protagonista, que somente “esconde” a face nos jogos, pois tanto nos livros quanto nos quadrinhos e animações, e agora na série, ele sempre mostrara o rosto. Também achei interessante a decisão de adiantar as incertezas e desobediências de Chief desde o início, além da presença de uma humana no lado antagonista da história, que só aumenta as possibilidades de gerar algo ainda melhor para a série.
O conceito de personagem em qualquer narrativa é e sempre será subjetivo, e alterar elementos tão supérfluos quanto “mostrar ou não mostrar” o rosto não eliminam ou reduzem o caráter e a identidade da obra; este efeito “Mandaloriano” nunca se aplicara a Halo, e levantar tal ideia só constata a burrice de quem a emite. A série, mesmo com todas as suas alterações, continua com suas caracterizações: o Master Chief da série não é o mesmo dos jogos, mas está lá, ainda é o Master Chief.
‘Bom, se grande parte das disrupções foram–lhe agradáveis, isso significa que você gostou da série, né?’ Não, e o problema começa aí. Para elucidar minha principal crítica a série, gosto de trazer à tona uma famosa citação do lendário escritor Robert Mckee:
“O verdadeiro personagem é revelado nas escolhas que um ser humano faz sob pressão. Quanto maior a pressão, maior a revelação, mais verdadeira será a escolha para a verdadeira essência do personagem.”
Acho que este é o grande problema da série. Não são as diferenças entre as mídias, mas a ausência de um bom desenvolvimento de história e a inconsistência da narrativa como um todo que tornam esta primeira temporada um desperdício de potencial.
Nós, enquanto espectadores, só temos noção da escala da principal ameaça da humanidade inteira: o Covenant, no oitavo episódio da série. E o protagonista, Master Chief, fica indefinido não por ausência de carisma ou diferenças de comportamento, mas sim pela ausência de um antagonista através do qual sua essência possa ser revelada.
Tudo que a série oferece é uma duplicidade fajuta que incorpora um senso de recuperação da identidade individual, e ignora a influência que o presente tempo poderia ter na formação do personagem, tempo este valioso para a produção, pois custa recursos financeiros, e mais valioso para o espectador, pois custa tempo.
É incrivelmente irritante escrever esta análise, pois os pontos mais delicados e importantes eles conseguiram concretizar com uma competência digna de nota. A atuação, as caracterizações (figurino, direção de arte, coreografia), as sequências de combate, tudo é bom o suficiente. Mas as falhas terríveis estão em conceitos básicos.
Temos um entendimento muito precário dos antagonistas, e em parte creio que isso tenha sido proposital, mas discordo da forma como a complexidade é abordada, pois somente porque suas organizações têm várias camadas entre o bem e o mau, não significa que isto tenha de ser difícil de entender–se para o espectador e para o personagem, como é o caso dos arcos patéticos do Master Chief correndo atrás do seu passado, coisa que nunca foi escondida dos personagens nos jogos, pois o desenvolvimento nunca dependeu disso, os jogos tinham uma ideia clara, a série não tem.
No primeiro jogo da série, lançado em 2001, temos (na minha opinião) o melhor início da história de um jogo eletrônico de todos os tempos. Observamos uma nave aproximando–se de um halo gigantesco orbitando um planeta, neste anel parece haver algum tipo de crosta terrestre, mas é altamente tecnológico e diferente de tudo o que já vimos. A primeira frase que ouvimos no jogo é do capitão desta nave, Jacob Keyes:
– Cortana, tudo o que eu preciso saber é: nós os despistamos?
No que ela responde:
– Acho que nós dois sabemos a resposta.
Em menos de um minuto a nave é atacada por uma frota alienígena, e faz–se necessário um combatente experiente para proteger uma superinteligência artificial contra esta ameaça; essa é a qualidade de se falar muito com poucas palavras: o jogador pode não saber com clareza o que aconteceu e qual o sentido de tudo aquilo, mas ele sabe o que está acontecendo agora: nós estamos perdendo, e feio, e se foi confiada uma IA superpoderosa ao meu personagem, é porque ele é casca–grossa.
Sabe, caro leitor, quando de fato temos noção que o Covenant está em guerra contra toda a espécie humana? Se eu te disser que é no último episódio, você acreditaria? Pois, se você, enquanto roteirista, acrescenta um elemento humano em uma organização religiosa que tem como papel eliminar a humanidade (elemento que não existe nos jogos), sua motivação narrativa já não é mais clara para o espectador, e cabe a você, enquanto roteirista (se for competente, é claro, e que no caso da série não é), elaborar um outro conflito claro para quem assiste.
Eu gostei da introdução de exatamente tudo na série, ela parece começar com o pé–direito em todos os aspectos (se você aceita a ideia de sua tradução para uma mídia abrangente), e parece terminar sem o pé em todos eles. Ela joga elementos interessantes no tabuleiro mas não elabora bem nenhum deles, e, por conseguinte, os personagens sofrem.
Um exemplo claro disso é a Kwan Ha, uma rebelde de uma colônia da UNSC, que é apresentada como personagem que contrastaria com o protagonista em seus métodos e filosofias, e tem sim um início bem–sucedido, mas a elaboração, o desenvolvimento dela, é tão precário e sem motivações, pois a culpa de seu conflito parece ser de todos, e logo, nada se sobressai, que sua falta de carisma respinga no próprio Master Chief.
Isso gera um perigosíssimo risco (que infelizmente veio a se concretizar) do público não mais achá–la desinteressante, mas passá–la a odiar justamente porque sua péssima direção prejudica o já inconsistente desenvolvimento dos principais elementos narrativos.
A série parece acomodar–se ou esquecer–se de nós, como se o conflito já tivesse sido apresentado–nos, e o efeito disso é uma constante e cansativa mineração mental por parte de quem assiste de tentar encontrar o sentido de cada uma das ações que a cada episódio parecem–nos mais irrelevantes e uma perda de tempo. Soma–se isso ao fato de que dentro dos próprios elementos que eram supostamente os coeficientes cinzentos da história, como a Makee, membro do Covenent e humana, a série tem a ousadia infame de acrescentar desnecessários elementos cinzentos, como um romance esdrúxulo que acaba prejudicando o ritmo já danificado dos episódios e resvala na contribuição para criar uma antipatia nas duas parcelas do público “abrangente”, pois:
1) Ela falha em criar uma narrativa que, apesar de diferente dos jogos, consiga cativar quem os jogou, e como suas motivações e conflitos não ficam claros, a sensação que a série traz é a de que tudo está muito simplificado, o que é perigoso e pode gerar (como tem gerado) uma antipatia e uma sensação de repúdio pelas decisões tomadas;
2) Além de não conseguir cativar quem já jogou os games, ela também falha em criar uma narrativa própria e que se sustente, pois todos os elementos disruptivos servem apenas para atrasar diversos conflitos que, apesar de não serem ruins, tampouco são uma novidade no cenário de séries televisivas, o que traz a perigosa sensação de que aquele universo é só mais uma história medíocre de ficção científica.
A série tem pouquíssimos pontos fortes, e todos eles agradam pois o conflito fica claro para o espectador. Personagens como a Halsey e Miranda Keyes felizmente conseguiram desviar das atrocidades de roteiro, e ainda guarnecem potencial. Apesar dos desenvolvimentos de personagens como John (Master Chief), Jacob Keyes e Kai darem a impressão de que algo se moveu nisso tudo, não dura muito, pois nos últimos minutos da série só constatamos que o conflito ainda é incerto (visto que os principais elementos ainda não tem ciência do que o Covenant quer).
A segunda temporada de Halo tem a obrigação de esclarecer os conflitos e descartar personagens que não contribuam para um desenvolvimento crível e sólido dos protagonistas, visto que personagens como a Cortana mal começaram seu desenvolvimento narrativo, o que é uma lástima justamente por conta do foco desperdiçado. Só recomendo esta série para quem é um fã de Halo e está disposto a aproveitar os pequenos momentos em que a série oferece a sensação de uma verdadeira experiência digna dos fãs, e ao público casual recomendo cautela, pois a série pode passar uma visão errada sobre esse maravilhoso universo.