Na estreia da série Entendo o cinema de… faremos um breve olhar sobre as escolhas criativas do cineasta James Gunn.
James Gunn é um diretor, roteirista e produtor que iniciou sua carreira como roteirista no final de 1990. Seus primeiros trabalhos de destaque foram as duas adaptações para cinema do desenho animado Scooby-Doo, o primeiro filme sendo lançado em 2002 e o segundo sendo lançado em 2004. Esse trabalho para a Warner Bros rendeu notoriedade para o roteirista que também acabou envolvido no remake de A Madrugada dos Mortos dirigido por Zack Snyder. Sua estreia como diretor ocorreu mais tarde com o filme Seres Rastejantes (Slither em inglês), um filme fortemente influenciado pelo gênero de Terror B dos anos 80 e o mangá Uzumaki de Junji Ito. Apesar do filme ter sido um fracasso de bilheteria na época, a carreira de Gunn foi lançada e ele dirigiu outros trabalhos como Super lançado em 2010 e seu mais famoso projeto, Guardiões da Galáxia em 2014.
Hoje em dia, Gunn é um dos diretores mais importantes e influentes dentro do gênero de filmes de super-herói sendo o presidente da DC Studios e a principal mente criativa do futuro universo compartilhado da DC Comics no cinema. Além de ser o diretor e roteirista do vindouro reboot do Superman, o filme Superman Legacy. Mas o que torna o cinema do cineasta tão marcante e influente?
- A experiência cinematográfica proposta por James Gunn:
- Desde que dirigiu o primeiro Guardiões da Galáxia, uma assinatura presente nos projetos de Gunn é a influência de óperas espaciais como Flash Gordon (1980) e Star Wars. Uma escolha que faz sentido quando se trata de uma franquia cheia de alienígenas e batalhas espaciais, mas é uma característica que se fez presente até mesmo em O Esquadrão Suicida (2021). Os cenários exóticos, o figurino vibrante e distinto, a escala da ação e o senso de aventura e diversão proposto pelos filmes citados conversam diretamente com o gênero de ópera espacial.
Uma das outras razões pelas quais os filmes de Gunn tem um apelo tão forte e uma experiência envolvente é porque eles são projetos pessoais para ele. Ele traz seu coração e paixão para cada filme que dirige ou escreve, e isso transparece na tela. Seus filmes frequentemente apresentam temas e elementos que refletem suas próprias experiências e perspectivas, o que os torna mais autênticos e envolventes para o público. Um exemplo disso é como Gunn utilizou a perda pessoal de seu pai como uma inspiração narrativa para o arco da personagem Caça-Ratos (Daniela Melchior) em O Esquadrão Suicida.
Outra característica a ser citada, são personagens nos filmes do cineasta que são humanizados através de referências à Cultura Pop e de sua personalização detalhada. Gunn assim como Quentin Tarantino torna seus personagens multifacetados através de gostos musicais específicos, opiniões fortes sobre assuntos e personalidades distintas. Quando esses personagens se unem em tela, o choque e as dinâmicas que se seguem criam uma sensação de humanidade muito crível para seus personagens. Esses detalhes contribuem para tornar os personagens reais, apesar de seu visual caricato.
A utilização de referências da Cultura Pop na qual irei me aprofundar mais abaixo, é também um elemento de conexão com o público, que muitas vezes encontra familiaridade nas preferências e interesses dos personagens. Outro elemento crucial para estabelecer uma empatia entre o público e os personagens, somando muito a experiência com os filmes do cineasta.
- O tragicômico
A comédia está presente nos trabalhos do diretor desde seus primeiros roteiros como Scooby Doo (2002). Seu humor é afiado e muitas vezes tende ao politicamente incorreto, responsável por sequências memoráveis em diversos momentos de seus filmes, além disso, a comédia é um ponto de equilíbrio entre a dramaticidade que suas tramas propõem. Um exemplo é a cena de abertura em O Esquadrão Suicida onde temos a primeira equipe de super-vilões desembarcando na praia. A sequência começa embalada pelo o humor e logo depois o tom se altera para o choque quando cada membro do grupo é morto durante o fogo cruzado, tudo sendo mostrado pela perspectiva do personagem interpretado por Michael Rooker. A cena termina e o humor volta a embalar a parte seguinte onde o filme revisita os cadáveres dos personagem que foram vítima daquele destino horrendo visto na cena anterior. O equilíbrio como uma cena assim encontra entre comédia e drama é praticamente perfeito e mostra a habilidade da direção e também do roteiro que o diretor entrega.
O humor também é um elemento crucial no desenvolvimento de seus personagens e na construção de suas dinâmicas. É importante elucidar o interesse particular que o cineasta demonstra para personagens imperfeitos e marginalizados, trazendo uma visão diferente dentro do gênero de super-herói. Gunn muitas vezes emprega diálogos inteligentes, situações absurdas e humor autodepreciativo em seus filmes. Através desses momentos cômicos, ele consegue revelar aspectos da personalidade e dos valores de seus personagens. O humor serve como uma lente através da qual o público pode entender e se relacionar com os personagens de maneira mais íntima. Ao usar a comédia, o diretor e roteirista humaniza seus personagens, permitindo que o público se identifique com suas fraquezas, inseguranças e peculiaridades. Através de piadas, sarcasmo e situações engraçadas, ele cria personagens mais complexos e multidimensionais, evitando que se tornem estereótipos unidimensionais cuja única função é fazer a trama andar. Esse uso da comédia também é fundamental no desenvolvimento dos relacionamentos entre os personagens. Criando laços emocionais entre eles, construindo dinâmicas de grupo, amizades e até mesmo romances. Os momentos engraçados reforçam a coesão do grupo e torna suas relações mais autênticas. O cineasta foi tão feliz nessas escolhas durante a execução de Guardiões da Galáxia que até hoje essa característica particular dele é replicada em outros projetos do estúdio como Homem Formiga, Thor Ragnarok, Shang Chi e por aí vai.A lente do diretor:
Desde sua estreia na direção, Gunn construiu uma assinatura que vem se tornando cada vez mais forte e característica em seus recentes trabalhos. Existe um tom e uma linguagem pop que tornam a decupagem de seus filmes dinâmicas e empolgantes. A abordagem visual que ele constrói ao lado dos diretores de arte e de fotografia com quem trabalha, torna seus filmes visualmente estimulantes contribuindo para essa estética que flutua entre o videoclipe e a ópera espacial citada anteriormente.
Além disso, Gunn é adepto da utilização de efeitos práticos em maquiagens e caracterização dos personagens. Ele valoriza a autenticidade e a textura física, optando por criar criaturas e seres alienígenas com maquiagens e próteses, em vez de depender exclusivamente de efeitos visuais digitais. Essa abordagem prática contribui para um senso de tangibilidade e realismo em seus filmes. O ápice dessa escolha criativa impressionou muito em seu último trabalho, Guardiões da Galáxia Vol.3 onde o filme bateu o recorde de maior número de próteses já feito, superando O Grinch, de 2000. Os cenários espaciais e fantásticos vistos na franquia Guardiões ou as instalações militares e exóticas vistas em O Esquadrão, são frutos de uma combinação entre construções em sets aliadas a computação gráfica. Nesse uso do prático, os cenários se beneficiam com a riqueza de detalhes a imersão que causa. Também citando o último filme dos Guardiões, essa escolha criativa tornou o filme um dos projetos mais bem acabados esteticamente do estúdio nos últimos anos, que estava sofrendo com a deficiência de seus cenários digitais pouco convincentes e personagens digitais sem vida.
Quanto às sequências de ação, James Gunn demonstra uma versatilidade em sua direção, reinventando-se a cada projeto. Sua direção é caracterizada pela habilidade em criar sequências de ação empolgantes, com movimentos de câmera dinâmicos, coreografias elaboradas e ritmo preciso. Ele utiliza a linguagem de videoclipe para proporcionar uma experiência visualmente estimulante, combinando cortes rápidos, música energética e enquadramentos criativos. Em O Esquadrão Suicida, Gunn se destacou muito no plano sequência envolvendo Arlequina (Margot Robbie) em uma cena de fuga excelentemente coreografada e cercada de estilismos visuais que conversam diretamente com a personalidade da anti-heroína. Logo em seu projeto seguinte, no terceiro Guardiões, ele superou o feito entregando um plano sequência maior e mais complexo envolvendo a equipe inteira dos Guardiões contra o exército do supervilão do longa. A sequência é embalada em um ritmo perfeito dando destaque a cada personagem e entregando uma coreografia única e distinta para cada um. A forma como a dinâmica entre personagens ocorrem perfeitamente alinhados com os ritmos dos instrumentos da trilha sonora e uso criativo da câmera tornam essa sequência uma das mais memoráveis do cinema de super-heróis.
Uma palavra final sobre o autor…
Apesar de estar atrelado a projetos no cinema Blockbuster, Gunn se provou como um cineasta com um fôlego próprio e bastante autoria e inventividade em seus projetos. Mesmo com muitas adaptações em seu currículo e trabalhando com personagens já existentes, sua criatividade dá uma voz própria a esses personagens e histórias. Seus filmes são carregados de coração, humor e um senso de aventura envolvente. Suas escolhas técnicas contribuem para as experiências cinematográficas propostas pelo cineasta. Sua carreira e seus projetos merecem uma conferida seja para um olhar mais técnico e estudioso na linguagem cinematográfica ou somente para ter uma boa diversão!
Recomendação de seus filmes e onde assistir:
O Esquadrão Suicida (2021) – HBO Max
Guardiões da Galáxia Vol.1 e Vol.2 – Disney Plus
Seres Rastejantes – Disponível para aluguel no Youtube Filmes
Super – Prime Video