Nostalgia. Na série Mad Men, o personagem Don Draper (brilhantemente interpretado por Jon Hamm) usa a definição do grego para apresentar a palavra. Em grego, nostalgia significa “a dor de uma ferida antiga”. Ele conclui o raciocínio dizendo que é “delicado, mas potente”. Ele estava certo, The Flash deve ser a quinquagésima produção (contando fora do mundo dos super-heróis) que se apoia na nostalgia de participações especiais para ser o grande chamariz do filme. Nesse caso, a ideia do chamariz se intensifica nesse contexto de tamanha incerteza de bastidores e as polêmicas acerca do ator Ezra Miller.
Embora tenhamos esse chamariz, é um alívio conferir em tela que isso nunca atrapalha a experiência e nem mesmo deixa seu protagonista de lado. Separando a vida pessoal do artista, Ezra Miller entrega uma atuação bastante sólida. Aqui ele interpreta duas versões de Barry, o Barry Allen do presente e o Barry Allen passado e ele se sai bastante feliz conseguindo diferenciar as duas versões até chegar ao ponto em que parecem dois personagens completamente diferentes, o que é coerente com o roteiro que apresenta uma versão madura do personagem e uma versão imatura. O arco narrativo de ambos construído pelo roteiro de Christina Hudson é eficiente pautando um arco dramático para o Barry do presente que funciona e é, o coração do filme.
Retornando a nostalgia… Michael Keaton é o maior destaque aqui. Ele rouba a cena em todas suas aparições, é protagonista das melhores sequências de ação que o filme propõe, desempenha um papel narrativo que funciona e entrega uma atuação que respeita bastante o passado dos filmes de Tim Burton e entrega uma evolução natural daquela versão do personagem. Keaton nunca pareceu se divertir tanto em tela. Cada escolha estética acerca de seu Batman funciona, desde seu lindíssimo traje, a Batcaverna construída com cuidado e riqueza de detalhes respeitando a versão apresentada nos filmes anteriores, e até os veículos como o Batmóvel e a Batwing. Sem falar nas homenagens a brilhante trilha de Danny Elfman…
Ainda no universo de morcegos, Ben Affleck faz uma breve aparição interpretando também sua versão de Batman e desempenhando outra grande sequência de ação que o filme apresenta. Affleck consegue entregar bastante carisma e sem dúvidas essa é sua melhor atuação como o personagem até então. Funciona como uma despedida bastante respeitosa dessa versão do Cavaleiro das Trevas.
Outra adição no elenco é Sasha Cale como Kara Zor El/ A Supergirl. É interessante notar como a atriz busca emular o trabalho de Henry Cavill como Superman, suas expressões, sua postura corporal, o tom de voz e ela se sai muito bem nisso. Existe um carisma na construção da personagem e a escolha visual é riquíssima, é uma pena que o filme desperdice sua participação e a personagem se torne subdesenvolvida. Havia potencial para mais…
Potencial é uma coisa que amarga muito o saldo que The Flash entrega. Após tantos adiamentos, tantas incertezas, o filme soa exatamente como um produto inacabado de refilmagens. A montagem peca em muitos momentos causando a sensação que existem partes inteiras faltando. Os efeitos especiais são péssimos. Essa má qualidade gráfica prejudica muito a imersão que o filme exige, afinal, estamos falando de um filme que tem um herói de vermelho que é tão veloz que consegue quebrar a barreira do tempo. Infelizmente o resultado entregue é lamentável. Personagens digitais soam muito falsos e inexpressivos, suas interações com cenário e atores reais não poderia ser mais artificial. O Chroma key é notável em diversas cenas causando a sensação que os atores estão “flutuando” pelo cenário digital. Essa artificialidade estraga até a magia de certas participações especiais (que soam inseridas de última hora) e não convencem de maneira nenhuma.
Andy Muschietti, o diretor, consegue extrair o potencial dramático e até humor de seus atores, mas em contrapartida não se sai tão bem na ação. As escolhas visuais para representar a super velocidade do personagem título são pouco inspiradas e pouco criativas também. A distribuição da ação, tirando as cenas envolvendo os dois Batman, são confusas principalmente no terceiro ato onde residem os maiores problemas do filme. São sequências confusas, que não empolgam ou sequer causam tenção. Um tiro no pé para qualquer Blockbuster.
The Flash soa bastante como o filme da Liga da Justiça de 2017. Mostrando que a Warner não aprendeu com os erros daquela época. Estamos diante de um produto de refilmagens que soa incompleto e mal acabado, mas que felizmente consegue encontrar um valor de entretenimento por entregar uma jornada narrativa eficiente para seu protagonista e também pela forte presença de Michael Keaton.
É um desastre? Não, por muito pouco. É memorável? Também não. Diverte? Felizmente sim.
PS: A última surpresa que o filme reserva, pouco antes de começarem os créditos é de colocar um sorriso em qualquer rosto. A nostalgia me acertou em cheio…
Nota: 6,0/10